Ferrovias correm atrás do tempo

15/12/2015 - Valor Econômico

O Brasil está tentando recuperar o tempo perdido na área de logística de transportes com a ampliação da malha ferroviária. Nos últimos três anos foram concluídos 1.088 quilômetros de linhas férreas. É duas vezes mais do que os 512 quilômetros construídos no intervalo de sete anos entre 1995 e 2002. A segunda etapa do Programa de Investimento em Logística (PIL) prevê investimento de R$ 86,4 bilhões na construção, modernização e manutenção de 7,5 mil quilômetros de linhas férreas, assim como concessões de 11 mil quilômetros no modelo em que concessionários se tornam gestores da infraestrutura ferroviária.

Para tornar mais atrativos os investimentos no setor e aumentar a concorrência nos próximos trechos ferroviários que serão leiloados na segunda etapa do PIL, o governo federal aumentou a Taxa de Retorno (TIR) para 10,6%. São cinco projetos. Na Ferrovia Norte-Sul, investimento estimado em R$ 7,8 bilhões vai expandir a malha em 1.430 quilômetros em dois trechos: de Açailândia (MA) a Barcarena (PA), estratégico para o comércio exterior por causa da maior proximidade com os mercados europeu e americano, e de Palmas (TO) a Anápolis (GO). Ainda na Ferrovia Norte-Sul, mais R$ 4,9 bilhões serão investidos em 895 quilômetros nos trechos entre Anápolis e Estrela D'Oeste (SP) - que permitirá a conexão com a malha já existente, concedida à ALL Malha Paulista S.A., e o acesso ao Porto de Santos - e entre os municípios de Estrela D'Oeste e Três Lagoas (MG), atravessando uma região que tem vocação agrícola e industrial, com produção de celulose.

Outro projeto é o da Ferrovia Rio de Janeiro-Espírito Santo. Ela vai se conectar à malha concedida à MRS Logística S.A. no município de Nova Iguaçu (RJ) à Estrada de Ferro Vitória-Minas, concedida à Vale S.A., no município de Cariacica (ES), e deve melhorar a logística de importação e exportação de cargas da região Sudeste. A obra, com 572 quilômetros de extensão e investimento estimado em R$ 7,8 bilhões, está em fase de estudo. A Ferrovia Lucas do Rio Verde, que liga a cidade do Mato Grosso à Itaituba (PA), com objetivo de melhorar o escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste, terá 1.140 quilômetros de extensão e investimento de R$ 9,9 bilhões.

Por fim, a Ferrovia Bioceânica, projeto estratégico para criar uma saída alternativa para o Oceano Pacífico e acesso aos mercados asiáticos, prevê a construção de 3.500 quilômetros, com investimento de R$ 40 bilhões, nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre.

O governo também pretende estender as concessões de ferrovias que vencem entre 2026 e 2028. "O motivo da prorrogação antecipada não é a dificuldade de novos leilões, mas a necessidade de antecipar investimentos em capacidade que precisam de longos prazos para serem amortizados", diz Maurício Muniz, secretário do PAC do Ministério do Planejamento. A antecipação pode gerar até R$ 16 bilhões em melhorias obrigatórias na malha existente em troca da extensão do prazo dos contratos.

Pesquisa mostra estradas melhores

Maurício Muniz, do Ministério do Planejamento: ‘O processo de concessão de rodovias tem sido muito satisfatório’

Nos últimos dez anos, a extensão da malha rodoviária brasileira pavimentada cresceu 14,7%, passando de 58,2 mil quilômetros, em 2005, para pouco mais de 66,7 mil quilômetros, em 2015. Ainda assim, apenas 12,4% da malha de 1,7 milhão de quilômetros tem pavimentação. Os dados fazem parte da "Pesquisa CNT de Rodovias 2015", da Confederação Nacional dos Transportes, que avaliou 100 mil quilômetros de estradas.

O investimento privado em melhorias do sistema viário permitiu a pavimentação de 3,6 mil quilômetros de rodovias concedidas entre 2010 e 2014, o recapeamento de 29,5 mil quilômetros e a construção de 410 quilômetros de terceira faixa. O governo federal projeta investimento de R$ 66,1 bilhões em 15 leilões no ano que vem, incluindo o R$ 1,3 bilhão da nova concessão da Ponte Rio-Niterói, realizada este ano.

"O processo de concessão de rodovias tem sido muito satisfatório, visto o volume de investimento, a quantidade de participantes e as baixas tarifas contratadas", diz o secretário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Ministério do Planejamento, Maurício Muniz. Entre 2011 e 2014 foram concedidos 5.350 quilômetros em sete rodovias. De 2003 a 2010, o programa de concessões somara 3.305 quilômetros em oito rodovias. O Programa de Investimento em Logística (PIL), criado em 2012, ganhou nova fase este ano para reforçar a capacidade de investimento.

Os investimentos públicos e privados ajudaram a melhorar a qualidade das rodovias avaliadas na pesquisa CNT. Dos 100 mil quilômetros pavimentados analisados no trabalho, 12,5% foram considerados em ótimo estado e outros 30,2% foram classificados como bons, enquanto 34,9% estavam regulares, 16,1% ruins e 6,3% foram considerados péssimos. A pesquisa de 2010, que avaliou 90.945 quilômetros, havia classificado 14,7% das rodovias como ótimas, 26,5% como boas, 33,4% em situação regular, 17,4% em estado ruim e 8% como péssimas.

Este ano, 57,3% dos 100 mil quilômetros apresentaram alguma deficiência no pavimento, na sinalização ou na geometria, com problemas de pavimentação em 48.897 quilômetros. O trabalho identificou trincas ou remendos em 20.007 quilômetros, ou 19,9% da extensão avaliada, e afundamentos ou buracos em 4.463 quilômetros, o equivalente a 4,4%. O desgaste das pistas foi percebido em 40.139 quilômetros - 39,8% do total. O Brasil tem prejuízo anual de R$ 3,8 bilhões apenas com a exportação de soja e milho devido às condições de pavimentação.

A sinalização foi considerada ótima em 16,4% da extensão e boa em 32,2%. No critério de geometria, 22,8% dos 100 mil quilômetros foram considerados ótimos ou bons e 30,2% ganharam classificação regular. Longos trechos sem acostamento e inúmeras curvas perigosas sem dispositivos de proteção ou sinalização fizeram com que 47.334 quilômetros fossem classificados como ruins ou péssimos no quesito. Em 60,4% das estradas avaliadas há acostamento. Nos 60.840 quilômetros com acostamento, 83,9% encontram-se em perfeito estado, mas há 15,4% com problemas, 13,7% em más condições e 1,7% totalmente destruído.

A pesquisa avaliou 19.804 quilômetros (19,7%) de rodovias concedidas e 80.959 quilômetros (80,3%) sob gestão pública. Nas estradas gerenciadas por concessionárias, 15.499 quilômetros - 78,3% da extensão concedida - foram considerados em ótimas ou boas condições. Em 21,7% foram encontrados problemas de pavimentação, sinalização ou geometria. Já nas rodovias geridas por governos federal, estadual ou municipal foi encontrado algum tipo de deficiência em 53.354 quilômetros (65,9%). Em 27,2% dos trechos as condições foram consideradas ruins ou péssimas. Apenas 27.605 quilômetros (34,1%) foram classificados como ótimos ou bons.

"A infraestrutura rodoviária tem melhorado, principalmente nas concessionadas. Rodovias em boas condições representam uma economia de 12% em manutenção", diz Cristiano Koga, diretor corporativo da TNT, transportadora que entrega mais de 10 milhões de volumes por ano no país e exterior.

Para atrair investimento, governo eleva taxa de retorno em ferrovias

O governo propôs às atuais operadoras de ferrovias uma taxa de retorno de 11,04% para balizar investimentos que serão exigidos em troca da extensão, por 30 anos, de seus contratos de concessão. Esse índice ainda será discutido em audiência pública aberta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e está sujeito a mudanças, mas é o mais alto dos cinco anos da gestão Dilma Rousseff em qualquer área de infraestrutura.

A deterioração dos indicadores macroeconômicos tem influência no aumento da taxa de retorno das concessões, mas uma rentabilidade mais atrativa aos investidores foi bem vista no mercado, como forma de viabilizar os planos de modernização da malha ferroviária.

A abertura de negociações para a prorrogação dos atuais contratos foi anunciada em junho, quando Dilma lançou a segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL), com a perspectiva de destravar obras de R$ 16 bilhões. O governo quer intervenções como ampliação da frota, duplicação de vias, novos pátios e ramais. Uma das obras mais importantes em negociação é o Ferroanel de São Paulo, na malha da MRS, que permitiria aos trens de cargas contornar a capital paulista sem ficar à espera de apertadas "janelas" de horário, normalmente de madrugada, disputando espaço nos trilhos usados pelas linhas de passageiros da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

O Ministério da Fazenda vê espaço para a cobrança de outorga na renovação das concessões. A decisão, bem como o cálculo de valores, depende essencialmente de definir que obras vão constar dos "cadernos de obrigações" das concessionárias para conseguir mais três décadas de contrato.

Possivelmente vacinado pelo fracasso do PIL 1 - que previa 10 mil quilômetros de novas ferrovias e não conseguiu licitar nada -, o governo tem agido com cautela e conversado bastante com as empresas antes de fechar os aditivos contratuais. Agora, quase seis meses depois do anúncio, estão disponíveis as minutas dos aditivos. Com 47 páginas, elas têm quase o triplo do tamanho dos contratos em vigência, que expiram em meados da próxima década. Isso dá uma dimensão do nível de detalhamento e das novidades que embutem.

Um dos aspectos é a desindexação parcial dos fretes ferroviários. Hoje em dia, os reajustes autorizados pela agência reguladora têm como base exclusivamente o IGP-DI. A proposta é usar o índice de inflação como referência para apenas 60% do reajuste. O restante seria reflexo da variação do óleo diesel no período de 12 meses anteriores.

A ANTT também quer que os novos contratos deixem claras as regras de funcionamento do direito de passagem, instrumento que permite que trens vindos de outras ferrovias acessem os trilhos administrados por uma determinada concessionária. O governo acredita que essa definição será importante para os leilões dos próximos trechos ferroviários que serão concedidos.

O argumento é que a empresa que quiser disputar, por exemplo, a concessão dos lotes remanescentes da Ferrovia Norte-Sul tem que saber de antemão quais as condições exigidas para levar suas cargas até o porto de Santos, ou seja, em que dias, horários e volumes os trilhos estarão disponíveis. O direito de passagem é um dos temas mais controversos do setor ferroviário.

Também foi elaborada uma metodologia para definir obras exigidas como contrapartida à prorrogação das concessões. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) já fez um diagnóstico alarmante sobre os problemas da malha. Em 2011, apontava a existência de 2.659 passagens de nível críticas e 276 absolutamente prioritárias, onde há cruzamento dos trilhos com rodovias ou avenidas urbanas. Isso não representa somente ameaça à segurança, elevando o risco de acidentes, mas leva também à perda de eficiência dos trens.

A escolha do tipo de solução dependerá, essencialmente, do grau de interferência da ferrovia em cada aglomerado urbano: alta, média ou baixa. Em municípios com mais de 100 mil habitantes e tráfego superior a três pares de composições por dia, por exemplo, o governo acena com a exigência de um contorno ferroviário da cidade. Quando o problema envolve municípios com menos de 10 mil habitantes e tráfego inferior a três pares de trens, bastaria bloquear o acesso à faixa de domínio (margens das ferrovias).

Pelo menos oito indicadores de qualidade - como pontualidade das viagens e integridade das cargas - fazem parte das minutas de contrato para avaliar se os serviços serão prestados adequadamente. Prevê-se a possibilidade até de cassar a concessão em caso de descumprimento das metas estipuladas durante três anos consecutivos ou cinco anos alternados.

Para dar mais transparência e melhorar a comunicação com os usuários, pretende-se montar uma espécie de "centro de controle virtual", com informações on-line sobre a localização exata das cargas e o vaivém dos trens. O novo sistema teria que ser implantado até 24 meses após a assinatura dos aditivos.

As concessionárias ainda têm trabalho pela frente antes de renovar suas concessões. Elas deverão apresentar estudos de demanda, diagnóstico da situação da malha, estudos operacionais, projetos de investimentos e avaliação socioambiental à agência reguladora. Depois de tudo isso, os documentos de cada empresa serão analisados individualmente. Na melhor das hipóteses, esse processo seria concluído no fim do primeiro semestre de 2016.