China financiará versão reduzida de ferrovia até o Oceano Pacífico

21/05/2015 - O Globo



BRASÍLIA- O acordo entre Brasil, China e Peru para a realização de estudos sobre a construção da ferrovia Transoceânica, ligando Atlântico e Pacífico, prevê um traçado desde Campinorte (GO), por onde já passa a ferrovia Norte-Sul, até o litoral peruano, segundo o memorando assinado esta semana. Não está no escopo dos estudos financiados pelos chineses, porém, a ligação até o Rio, como consta no traçado previsto na lei 11.772/2008 para a ferrovia.

Segundo fontes do governo, o Brasil tentou incluir no acordo o estudo de toda a extensão de 4,4 mil quilômetros da Transoceânica (também chamada de Bioceânica ou Transcontinental), com o trecho entre Goiás e o Porto do Açu, no Rio, passando por parte pouco explorada do quadrilátero ferrífero da Região Sudeste. A ideia era criar infraestrutura com apoio dos chineses, o que não foi aceito.

FERROVIA DO RIO A VITÓRIA

Enquanto a ligação até o Pacífico não estiver concluída, para os chineses, é mais negócio exportar pelos portos da Região Norte, como Barcarena e Vila do Conde, no Pará, de onde podem chegar ao Canal do Panamá e, dali, até a Ásia. Por isso, a ligação da Transoceânica com a Ferrovia Norte-Sul, que futuramente chegará a Barcarena, é suficiente para os chineses.

— Sem o estudo da ligação até o Açu, o Rio e o Brasil perdem por não terem esse corredor de exportação de minérios de alto teor — disse uma fonte do governo.

Uma alternativa para ligação com o Atlântico sem a extensão total da Transoceânica até o Rio seria a construção da conexão da Ferrovia de Integração OesteLeste (Fiol), que corta a Bahia, até a NorteSul. A ligação entre Barreiras (BA) e Porto Nacional (TO) está nos planos para ser concedida e poderia reforçar a viabilidade econômica da Fiol e do Porto de Ilhéus.

O trecho brasileiro da Transoceânica que será objeto de estudos financiados pelos chineses ficará ao redor de três mil quilômetros. No traçado da Transoceânica, o governo já tem o trecho de Campinorte até Lucas do Rio Verde, conhecida como Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), aprovado pelo Tribunal de Contas da União e pronto para ser concedido há mais de dois anos. O governo resiste em levá-lo a leilão e alega falta de demanda, mesmo após o presidente chinês, Xi Jinping, manifestar interesse no ano passado.

Indagado sobre a ligação da Transoceânica com o Atlântico, o Palácio do Planalto não se manifestou. A Empresa de Planejamento e Logística informou que a ligação entre Atlântico e Pacífico se dará por meio da Transoceânica e do trecho no território peruano. A EPL disse que "em relação ao trecho compreendido entre Campinorte e o Estado do Rio, os estudos estão sob responsabilidade do governo brasileiro".

Ontem, o premier chinês, Li Keqiang, disse que quer estabelecer fábricas no Brasil, criar empregos locais e instalar uma unidade para fabricação e manutenção de trens no Rio. Os chineses já forneceram trens ao Metrô do Rio e à Supervia.

— A China gostaria de oferecer ao Brasil metrôs, embarcações, veículos, aços, ferros e materiais de construção — disse Li.

Ao comemorar os planos de INVESTIMENTOS chineses no Rio, o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, disse que a Transcontinental ligaria Campos dos Goytacazes ao Peru, o que não está nos planos dos chineses, segundo o memorando assinado.

— O projeto inicial faz a ligação da Ferrovia Norte-Sul ao Peru, mas o trecho completo começa em Campos, passa por Minas, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre para chegar ao Peru — disse Osorio.

Osorio disse que os chineses estão em tratativas para ajudar a viabilizar uma ferrovia que ligaria o Rio ao Espírito Santo, que seria operada em concessão.

Com entraves ambiental e de engenharia, obra é vista com ceticismo

Para especialistas, custo estaria abaixo do real e depende de estudos para ser definido

Especialistas veem a ligação ferroviária entre Brasil e Peru com ceticismo devido, principalmente, ao desafio de engenharia que o projeto representa. E temem que a obra nunca saia do papel, a exemplo do que ocorreu com outros projetos de integração regional, como o grande gasoduto que uniria Venezuela, Brasil e Argentina.

Para cruzar o cerrado brasileiro, onde se concentra o agronegócio, e chegar ao litoral peruano, a ferrovia terá de atravessar regiões de pântano, floresta tropical e os Andes. Na avaliação de Renato Pavan, da consultoria Macrologística, esses obstáculos naturais elevam o custo do transporte.

Pavan comparou o custo de exportar uma tonelada de soja do Mato Grosso até os portos chineses por diferentes caminhos. Concluiu que a soja transportada por ferrovia até o Peru e de lá para a China teria o mais elevado custo logístico: R$ 325 por tonelada. A opção mais barata (R$ 135/tonelada) seria levar o grão até Vila do Conde (PA) e de lá para a China, via Canal do Panamá.

— A ferrovia para o Peru não tem a menor possibilidade de vingar — diz Pavan.

Presidente da sessão ferroviária da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Rodrigo Villaça, também considera o escoamento pelo Pará como melhor opção. Para ele, a ferrovia deveria passar por Tocantins até o litoral paraense, seguindo via Canal do Panamá ou da Nicarágua (projeto chinês) até a China.

Elaborar um plano executivo de engenharia é fundamental para tirar a ferrovia do papel. O custo foi estimado em US$ 10 bilhões.

— Não faz sentido falar em orçamento agora. É preciso realizar um plano executivo de engenharia com uma análise econômico-financeira do projeto. O estudo pode custar R$ 1 bilhão — avalia Paulo Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos)

Já Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, avalia que seria viável construir a ferrovia por R$ 30 bilhões, podendo chegar a R$ 40 bilhões. Mas faz ressalvas:

— O projeto executivo é fundamental. Os chineses trabalham com planejamento de longo prazo. O trecho de Rondônia ao Peru passa por áreas com entraves ambientais, com floresta amazônica e terras indígenas, o que pode atrasar a obra. Já a travessia dos Andes pode demandar a construção de túneis e viadutos, o que onera o projeto.