Especialista aponta negligência no setor de infraestrutura

26/09/2013 - O Estado de S. Paulo

Há quatro anos, a operadora ferroviária ALL começou a construir a extensão de 200 quilômetros da Ferronorte, até a cidade de Rondonópolis (MT). Ali, um terminal ferroviário receberá os caminhões de soja para o transbordo para os trens que rumam para o porto de Santos.

Também há quatro anos, os governos federal e estadual sabem que o trecho de 25 quilômetros da BR-163, entre o posto chamado Trevão e o terminal, será o novo endereço do caos logístico provocado pelos caminhões no Centro-Oeste.

Pois apenas na semana passada, quando a ALL inaugurou o Terminal de Rondonópolis, a presidente Dilma Rousseff anunciou o projeto de duplicação do trecho da BR-163. Tomados os fartos exemplos de atraso na duplicação da 163, corredor por onde passam 30% da safra de grãos do País, é de supor o desfecho.

"Vai ser uma confusão. Na próxima safra, os caminhões que desciam para Alto Taquari pela BR 364 terão de entrar à direita e descer a 163 em pista simples. Vai ser um caos", prevê Miguel Mendes, diretor executivo da Associação dos Transportadores de Carga do Mato Grosso (ATC).

Especialista em gestão pública, Raul Velloso avalia que a negligência dos governos em relação à elaboração de projetos de infraestrutura alcançou nível vexatório no Brasil.

Em entrevista ao programa Fantástico, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse sem constrangimento que o governo havia decidido tocar as obras mesmo sem um simples projeto básico, dada a emergência do País.

"Quase caí de costa quando ouvi aquilo. Como é que pode um ministro de Estado dizer uma coisa dessas?", indaga Velloso. A engenharia séria recomenda que nenhum tijolo seja assentado sem a existência de um detalhado projeto executivo para a obra.

Atraso. Os 10 mil quilômetros de ferrovia, incluídos no chamado Programa de Investimento em Logística (PIL) - que completou um ano em agosto e até agora não saiu do papel - padecem exatamente do mesmo problema.

A divisão dos trechos ferroviários tem estimativas de custos discutíveis.

Como o governo fixa a taxa de retorno tendo como base um volume teto para o investimento, a falta de certezas sobre os valores a serem gastos na construção dos trechos torna a concessão uma loteria.

Com tamanha dúvida, poucas empresas sérias e com capacidade se arriscarão em entrar no negócio. Não é por acaso que projetos de linhas de transmissão, exploração de petróleo e rodovias estão sendo ignorados por investidores.

"O governo começa a perceber essas coisas e está tentando fazer os leilões de qualquer forma, mas acho que não há como salvá-los sem chamar o setor privado e começar tudo de novo", afirma Velloso.

Ele também critica a obsessão do governo pela modicidade tarifária. "O setor privado não trabalha com retorno zero. Isso não existe", diz Velloso.

Para Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, a gestão pública da infraestrutura é naturalmente complexa, embora no Brasil seja também confusa.

"Temos uma complexidade confusa por parte da matriz de gestão da infraestrutura e isso leva à completa aversão ao risco por parte dos investidores", afirma Resende.