Governo assume mais risco para levar trem-bala adiante

20/12/2012 - Valor Econômico

Com tantos custos para arcar, não é à toa que o governo agora fala em explorar o espaço imobiliário ao redor das estações que o trem-bala terá para fazer caixa para o projeto.

Chama a atenção a insistência com que o governo quer levar adiante o vultuoso projeto do trem-bala, que ligará a cidade de Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo. Apesar das avaliações contrárias e de várias tentativas malsucedidas de atrair investidores, o governo resolveu marcar novo leilão, agora para 2013. E na tentativa de superar as resistências da iniciativa privada e tornar o negócio mais palatável, resolveu assumir mais riscos, sem ter qualquer indicação de que o retorno será suficientemente compensador.

É um sonho de grandeza relativamente recente dos governantes brasileiros ligar os dois maiores polos do país por um trem-bala, que deve percorrer os 511 quilômetros da linha a uma velocidade de 350 quilômetros por hora. Os dois Estados já foram bem servidos no passado por uma eficiente conexão ferroviária, substituída ao longo do tempo pela opção nacional pela rodovia e pelo transporte aéreo. Não há dúvida que seria adequado recuperar e modernizar essa ligação ferroviária, inclusive para a carga. Discutível, porém, é a opção pelo modelo do trem-bala, uma tecnologia cara que servirá um número reduzido de passageiros, levando no máximo carga postal.

O custo do trem-bala brasileiro, estimado inicialmente em R$ 11 bilhões, saltou para R$ 33 bilhões no ano passado, e está agora oficialmente ao redor de R$ 35 bilhões, mas há avaliações do setor privado que chegam a R$ 55 bilhões. Levando-se em conta os R$ 35 bilhões, o custo por quilômetro será de quase R$ 70 milhões, investimento suficiente para construir 15 quilômetros de uma ferrovia comum, em que os trens podem desenvolver velocidade de 160 quilômetros por hora, segundo Peter Wanke, da Coppead-RJ, no suplemento especial de Infraestrutura do Valor (7/12).

Pior ainda é a expectativa de baixa utilização. A previsão é que o trem-bala vai transportar 8,7 milhões de passageiros em seu primeiro ano de operação, 2020; o número subirá para 11,3 milhões em 2024 e para 19,3 milhões em 2040. O metrô de São Paulo transporta, em média, 3,7 milhões de passageiros por dia útil. A tarifa mais cara da classe econômica no trecho São Paulo-Rio é de R$ 250, ou R$ 0,49 por quilômetro, competitiva com preços não promocionais das companhias aéreas, mas não com a alternativa rodoviária.

Provavelmente por todos esses motivos já houve pelo menos outras três tentativas fracassadas de se colocar o projeto do trem-bala de pé. O primeiro leilão deveria ter acontecido em dezembro de 2010. Foi adiado para abril do ano passado e, depois, para julho, quando não apareceu nenhum interessado. Esperava-se nova tentativa de leilão em março, mas ele foi marcado para 19 de setembro de 2013, na Bovespa, quando deverá ser escolhida a empresa que vai fornecer a tecnologia e será a operadora do trem. Para minimizar o risco de um novo fiasco, o governo vai assumir quase a metade do risco de demanda do empreendimento. Conforme o edital divulgado na semana passada, a estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL) terá uma participação bem maior do que a prevista anteriormente. A fatia da EPL no projeto saltou de um terço para 45%.

Vencerá o leilão a empresa que apresentar a melhor relação entre valor de outorga e o custo de construção do trem-bala. O total do investimento do operador na primeira etapa é de R$ 7,6 bilhões. O BNDES vai financiar a maior parte, R$ 5,37 bilhões em condições vantajosas, pelos 40 anos da concessão, e a EPL entrará com mais R$ 1,03 bilhão. Na prática, a operadora do trem vai desembolsar apenas R$ 1,27 bilhão para ter o controle de um projeto quase 30 vezes mais valioso. Segundo o governo, há grupos franceses, espanhóis, japoneses, coreanos e alemães interessados. A intenção do governo é que tudo esteja pronto em junho de 2019 para a entrada em funcionamento em junho de 2020, depois de um ano de testes.

Uma segunda licitação, prevista para 2014, vai definir a empresa que vai construir a infraestrutura do trem. O governo pretendia que a construtora da infraestrutura também fosse sócia do projeto e, portanto, dividisse riscos e custos. Mas, diante da resistência das empresas, o governo deve assumir também esse risco, pagando pela obra.

Com tantos custos para arcar, não é à toa que o governo agora fala em explorar o espaço imobiliário ao redor das estações que o trem-bala terá para fazer caixa para o projeto.

Fonte: Valor Econômico - Editorial