Novo modelo deve acabar com atrasos em obras férreas

05/12/2012 - Valor Econômico

A construção de 10 mil quilômetros de ferrovias, cujos leilões de concessão estão previstos para o primeiro semestre do ano que vem, vai exigir R$ 56 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos, dos quais cerca de R$ 40 bilhões (71,5% do total) deverão ser financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco, que há 60 anos fez o primeiro empréstimo da sua história para a modernização da Estrada de Ferro Central do Brasil (Minas-Rio-São Paulo), prepara-se para apoiar financeiramente o plano do governo de ter esses 10 mil quilômetros de novos trilhos, em plena operação, até 2020.

A meta é otimista, na visão de especialistas e de executivos do setor, considerando-se o passado recente da expansão da malha ferroviária brasileira, marcada por questionamentos dos órgãos ambientais e de controle, por atrasos e aumento de custos nas obras. Mas o que anima empresários é que o novo modelo definido para operação e exploração do setor ferroviário, em que as ferrovias serão repassadas a empresas privadas em regime de concessão, tende a resolver o problema de baixa execução das obras realizadas pelo governo.

Um exemplo de baixa execução no setor é o da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), cujo primeiro trecho, entre Ilhéus e Caetité, na Bahia, com 530 quilômetros de extensão e custo de R$ 2,4 bilhões, deveria ter sido concluído neste ano, mas só está com 12% de execução até agora e tem previsão de ficar pronto em 2014. Com a extensão sul da Ferrovia Norte-Sul (FNS), acontece algo parecido. A execução da obra está na casa dos 25% e o atraso é de cerca de dois anos. O trecho, que se estende de Ouro Verde (GO) até Estrela d'Oeste (SP), deverá estar pronto também em 2014 a um custo de mais de R$ 3 bilhões.

O novo modelo é um avanço, temos que apostar que vai ficar de pé, dar certo. Ele [o modelo] deve permitir resolver esse problema da baixa execução do governo, embora as metas, em termos de cronogramas, sejam muito otimistas, disse um consultor que preferiu não se identificar.

Renato Voltaire, diretor da Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga (Anut), disse que a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), responsável pelo planejamento, desenvolvimento, pesquisas e prestação de serviços no setor, criou força-tarefa que deverá fazer as concessões deslancharem. Voltaire considera que conseguir fazer as licitações dos 10 mil quilômetros de ferrovias até junho pode ser um plano muito ambicioso, mas pondera: Mesmo que lance as licitações e faça correções de rumo depois, é melhor do que não fazer
A EPL prevê licitar em abril novos trechos a serem construídos e administrados por empresas privadas. Esse primeiro grupo de projetos, considerado mais atrativo pelo mercado, inclui os tramos norte e sul do Ferroanel de São Paulo, o acesso ao porto de Santos, o trecho entre Lucas do Rio Verde (MT) e Uruaçu (GO), a extensão norte da Norte-Sul, entre Açailândia (MA) e Vila do Conde (PA), além do trecho entre Estrela d'Oeste, Panorama (SP) e Maracaju (MS), importante pois permitirá a ligação da Ferrovia Norte-Sul com a malha da ALL até o porto de Santos. No grupo dois, com previsão de licitação em junho, existem malhas como a que liga Uruaçu (GO) a Campos dos Goytacazes (RJ), Belo Horizonte-Salvador, Salvador-Recife e Rio de Janeiro-Campos-Vitória (ES), entre outros.

A EPL informou que os estudos para as novas concessões estão em execução de forma que seja possível cumprir o cronograma previsto. Nas obras em andamento a cargo da Valec, Engenharia, Construções e Ferrovias, empresa de engenharia ferroviária ligada ao Ministério dos Transportes, o governo trabalha para recuperar o tempo perdido. Além da Fiol, atrasada em pelo menos dois anos, a Ferrovia Norte-Sul é outra obra cujo andamento mostrou-se complexo.

Licitada no fim da década de 80, a ferrovia tem trechos em obras e a inauguração do traçado original, entre Açailândia (MA) e Anápolis (GO), está previsto para setembro de 2013, 26 anos depois de o projeto ter sido licitado. A expectativa é de que, com o novo modelo, o governo poderá evitar, na construção da nova malha, erros que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ibama a questionar os projetos da Fiol e da Norte-Sul, o que contribuiu para os atrasos.

A EPL informou que está conduzindo trâmites para obtenção da licença prévia (LP), que é a licença que garante a viabilidade ambiental do trecho a ser licitado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Essa ação pode antecipar, em até dois anos, a obtenção das licenças ambientais se comparado com o cenário no qual o licenciamento é iniciado pelo novo concessionário, disse a EPL.

A Norte-Sul, no trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), vem servindo de referência para o TCU criticar outros projetos, disse o presidente da Valec, Josias Cavalcante. A Valec passa a ter também a função de comprar e vender capacidade das ferrovias ao menor custo possível, disse Cavalcante. O trecho Palmas-Anápolis deverá ser o piloto do novo modelo de livre acesso ao setor ferroviário, ainda em fase de definições legais. Esse trecho da Norte-Sul [entre Palmas e Anápolis] vai ser o primeiro a estar disponível para o mercado, mas se vai ser o primeiro a ser ofertado ainda não é possível dizer, disse Cavalcante.

O novo modelo será baseado no livre acesso dos operadores logísticos aos trilhos. As ferrovias, porém, não serão mais construídas pela Valec, como aconteceu até agora, mas por empresas privadas que vão também administrar a malha em contratos de concessão de 25 anos. Quando a ferrovia estiver pronta, a Valec vai comprar a capacidade e ofertá-la ao mercado. Vários operadores poderão transitar em uma mesma via, o que tende a acirrar a concorrência. No modelo atual, há um monopólio natural uma vez que o concessionário também opera os trens.

Nos novos projetos, a Valec terá o papel de comercializadora, remunerando, com o dinheiro arrecadado da compra e venda de capacidade, o concessionário, que será encarregado de construir e manter a ferrovia. O gerente de infraestrutura e logística do BNDES, Dalmo Marchetti, entende que os propósitos de ampliar a malha e atrair a carga geral representam novas metas para o setor ferroviário que não estavam previstas nas privatizações. Nunca foi meta dos contratos de concessão [a expansão e a atração de novas cargas]. As metas dos contratos de concessão eram aumento da produção [de cargas] e a redução de acidentes. Todas foram obtidas. Ele acrescentou que o futuro será de expansão da rede, atração de carga geral, maior competição entre os operadores e redução e tarifas.

O chefe do Departamento de Infraestrutura e Logística do banco, Cleverson Aroeira, diz que a sociedade brasileira sempre esperou um papel mais significativo das ferrovias na matriz de transportes. Hoje, segundo o BNDES, as ferrovias transportam apenas 23% da carga geral que circula no país, deixando os outros 77% para as rodovias.

É nessa perspectiva que o BNDES espera começara a receber no segundo semestre de 2013 as primeiras demandas por financiamentos referentes às novas obras a serem licitadas pelo governo a partir do primeiro semestre. O banco tem também a perspectiva de financiamentos para o usuário-investidor, outra figura nova no cenário das ferrovias. Usuários já vêm investindo no aumento da malha.

Tesouro pode cobrir receita da Valec

O novo modelo para as ferrovias prevê que a Valec compre a capacidade de transporte das malhas que vão ser construídas e administradas pelo setor privado. A capacidade será vendida pela Valec a operadores de carga no mercado. Com o dinheiro da venda, a estatal vai remunerar os concessionários que vão investir para construir as ferrovias em regime de concessão. Existe o risco de que o Tesouro tenha que aportar recursos na operação caso a receita obtida pela Valec seja insuficiente para remunerar os concessionários. Uma fonte disse que, no início, dificilmente haverá excesso de demanda nos lotes a serem licitados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

As empreiteiras estão animadas com o novo modelo, embora a taxa de retorno, de 6% ao ano, seja considerada baixa. Carlos Nascimento, diretor da ANTT, disse que a agência trabalha para divulgar até fim de dezembro, início de janeiro, as condições técnicas e econômicas dos trechos a serem licitados.

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