Projetos de R$ 116 bilhões se arrastam no Nordeste

24/09/2012 - Valor Econômico

Antes de passar adiante a faixa presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva queria ter deslizado pelos trilhos da Nova Transnordestina. Também pretendia ver funcionando a refinaria Abreu e Lima e a transposição do rio São Francisco, bem como a duplicação da BR-101 entre Alagoas ao Rio Grande do Norte. Se não pôde inaugurar nenhum desses projetos, o ex-presidente celebrou com pompa os anúncios desses e de outros investimentos no Nordeste, que ajudaram a promover o seu já elevado prestígio na região, refletido nos votos dados à sucessora. Se considerado, no entanto, o ritmo em que andam os projetos, cresce o risco de que nem mesmo a presidente Dilma Rousseff consiga inaugurá-los.

Levantamento feito pelo Valor com os principais empreendimentos anunciados para o Nordeste na gestão Lula - que somam mais de R$ 116 bilhões em investimentos - aponta um atraso médio de três anos e meio na execução. O dado exclui os projetos que, devido à complexidade dos entraves, já não têm mais data prevista para ficarem prontos. A letargia se reflete, naturalmente, no custo, que também já subiu muito. Acordos e contratos mal feitos, questionamentos ambientais e irregularidades nas prestações de contas formam o modelo que, segundo especialistas, não pode ser reproduzido em projetos futuros, como os anunciados no novo pacote de concessões de rodovias e ferrovias.

Questionado sobre grandes projetos do PAC já concluídos no Nordeste, o Ministério do Planejamento mencionou, por meio de sua assessoria de imprensa, a linha oeste do metrô de Fortaleza e a quinta etapa do chamado Eixão das Águas, também no Ceará. Foram citadas ainda a Adutora do Oeste, no interior de Pernambuco, e a plataforma P-59, construída no município baiano de Maragojipe. O ministério enfatizou, no entanto, que há muitos outros empreendimentos já inaugurados.

Causou frenesi no Nordeste a notícia de que a Petrobras colocou em banho-maria as refinarias prometidas por Lula para Maranhão (Premium I) e Ceará (Premium II), orçadas em quase R$ 60 bilhões. Em janeiro de 2010, o ex-presidente enterrou no município de Bacabeira, a 58 quilômetros de São Luís, um baú com objetos alusivos ao empreendimento, em solenidade da qual participou a então ministra Dilma. A caixa, mais tarde chamada pela imprensa maranhense de baú da infelicidade, só deveria ser resgatada no dia da inauguração da refinaria, originalmente prevista para setembro de 2013.

Com capacidade para 600 mil barris de óleo por dia, a unidade vai produzir diesel de alta qualidade e derivados como querosene de aviação, nafta petroquímica, gás liquefeito de petróleo e coque. O empreendimento, porém, foi colocado em avaliação no plano de investimentos da Petrobras para o período entre 2012 e 2016. A estatal alega que vai buscar alinhamento com métricas internacionais para as refinarias, que são questionadas por especialistas do setor em razão dos custos, localização e relevância.

Lançada por Lula em dezembro de 2010, em São Gonçalo do Amarante, região metropolitana de Fortaleza, a Premium II também foi adiada. Prevista para ficar pronta em 2014, a refinaria não tem mais data para entrar em operação. O adiamento irritou o governador Cid Gomes (PSB), que chegou a telefonar para Lula. Mais tarde, ouviu da presidente da Petrobras, Graça Foster, a garantia de que o empreendimento será realizado. Cid viajou para a Coreia do Sul, atrás de um parceiro tecnológico para o empreendimento.

Com as obras em andamento, apesar de um longo histórico de problemas, a refinaria Abreu e Lima, no litoral sul de Pernambuco, também se arrasta. Questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), sucessivas greves de trabalhadores e incertezas relativas à sociedade com a estatal venezuelana PDVSA constituem o enredo do empreendimento, cujo valor saltou de US$ 2,3 bilhões para mais de US$ 17 bilhões. A entrada em operação do primeiro trem de refino está prevista para novembro de 2014. Em fevereiro de 2008, o primeiro balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) projetava o início da operação para dezembro de 2010.

Quem defende as novas refinarias do Nordeste as considera fundamentais para incluir a região na cadeia produtiva do petróleo e do gás, que deverá concentrar parte significativa dos investimentos industriais nos próximos anos, a partir do início da exploração do pré-sal. De acordo com a economista Tânia Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Nordeste corre o risco de voltar a perder espaço na economia nacional se ficar de fora deste segmento.

Na área de infraestrutura o quadro não é diferente. As duas ferrovias previstas para o Nordeste também estão muito atrasadas e sem prazo certo para conclusão. Com 1.728 km de extensão, a Nova Transnordestina já passou por troca de empreiteiras, demora nos repasses de recursos por parte da União e um processo traumático de desapropriações. Superados alguns dos entraves, as obras avançam no ramal que corta os Estados de Pernambuco e do Piauí, previsto para ficar pronto em dezembro de 2014. O trecho cearense, entretanto, segue emperrado e sem perspectivas animadoras. Atualmente, a concessionária TLSA discute com o governo federal novos valores e prazos para a obra.

Ainda assim, o último balanço do PAC aponta o andamento da Transnordestina como adequado, avaliação bem diferente do preocupante atribuído ao projeto da ferrovia Oeste-Leste (Fiol), que vai cortar a Bahia desde o município de Ilhéus até Figueirópolis, em Tocantins. O objetivo principal da estrada de ferro, orçada em R$ 3,5 bilhões, é viabilizar a exploração de minério de ferro no oeste baiano, porém o empreendimento está atolado em problemas. Dos 1.500 km previstos, apenas um terço está em obras, ainda assim em ritmo lento.

A ferrovia teve licença ambiental suspensa pelo Ibama em 2011, devido a uma série de condicionantes que não vinham sendo cumpridas pela Valec, estatal responsável. A meta agora é destravar o trecho de 500 km que liga as cidades de Caetité (BA) e Barreiras (BA). Além de não ter licença de instalação, o trecho teve as obras suspensas pelo TCU. Um dos maiores interessados em ver andar a obra da Fiol, o diretor-presidente da Bahia Mineração (Bamin), José Francisco Viveiros, diz que a demora frustra os planos de exploração das jazidas da empresa e, consequentemente, gera prejuízos.

Quando puder ser transportado, o que não deve ocorrer antes de 2015, o minério do interior baiano será exportado pelo Porto Sul, outro grande projeto travado no Nordeste. O impacto ambiental gerou uma interminável guerra de interesses. O ancoradouro está dividido em duas áreas: o terminal de uso privativo da Bamin e um porto público, candidato a integrar o novo sistema de concessões desenhado pela União. De acordo com o governo baiano, a obra deve durar pelo menos cinco anos, contados a partir da obtenção da licença de instalação, que ainda não chegou.

Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, é fundamental melhorar o planejamento e a qualidade dos projetos antes de se iniciarem as obras. De acordo com o dirigente, também é importante que a legislação seja revisitada, a fim de proporcionar maior segurança e previsibilidade aos empreendimentos. Os prejuízos com tamanhos atrasos em projetos de grande porte, ele registra, são astronômicos.

Um bom exemplo de planejamento capenga é a transposição do rio São Francisco, em que parte das obras foi contratada com base apenas no projeto básico, o que originou vários pedidos de aditivos por parte das empreiteiras. Como resultado, o custo da obra já saltou mais de 40%, para R$ 6,8 bilhões, enquanto o prazo de conclusão, inicialmente estimado para dezembro de 2010, segue indefinido. O eixo leste, mais avançado, está com 55% de execução e só deve ser inaugurado no fim de 2015.

A obra de duplicação e requalificação da BR-101, que corta boa parte do litoral nordestino, é considerada fundamental para melhorar o turismo. As obras, porém, estão atrasadas. De acordo com o primeiro balanço do PAC, a meta inicial era concluir em dezembro de 2010 o trecho de 410 km entre o Rio Grande do Norte e Alagoas. No entanto, apenas 30% do percurso está feito, apesar de 75% dos recursos previstos terem sido desembolsados até 2010. O custo também cresceu bastante, de R$ 1,4 bilhão para R$ 2,5 bilhões.