União assumirá risco de demanda

31/08/2012 - Uol/Folha de S.Paulo

Bernardo Figueiredo, presidente da EPL, fala à Folha de S.Paulo
Bernardo Figueiredo, presidente da EPL (Empresa de Planejamento e Logística), participou do “Poder e Política”, projeto do UOL e da Folha  conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues.  A gravação ocorreu em 29.ago.2012 no estúdio do UOL, em Brasília.

Bernardo Figueiredo tem 61 anos. É o presidente da recém criada Empresa de Planejamento e Logística, a EPL.

Figueiredo é formado em economia pela Universidade de Brasília. Foi diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT, de 2007 a 2012.

Figueiredo começou a carreira no ramo dos transportes na década de 70 como estagiário e, depois, funcionário da Geipot - a extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes.
Especializado na área, atuou também na Siderbras e na Valec. Foi assessor especial da Casa Civil quando Dilma Rousseff era a ministra.

Durante a gestão de Figueiredo na ANTT, o governo amadureceu o projeto de construir o trem-bala em parceria com a iniciativa privada. Agora, ele será o homem forte da presidente à frente de diversos projetos com o setor privado, incluindo estradas, ferrovias, portos e aeroportos.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um “Poder e Política – Entrevista”.

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a entrevista é sempre gravada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é Bernardo Figueiredo, presidente da recém-criada EPL, Empresa de Planejamento e Logística.

Folha/UOL: Olá, Bernardo Figueiredo. Muito obrigado por estar aqui presente no estúdio da Folha em Brasília. Eu começo perguntando: o Brasil tem um Ministério do Trabalho há muitos anos, tinha empresas nessa área de transportes, tem a Valec. Em anos recentes, criou-se a Agência Nacional de Transportes Terrestres, as agências reguladoras em geral. Por que o Brasil precisa de mais um órgão como a Empresa de Planejamento e Logística?

Bernardo Figueiredo: Prazer estar aqui, Fernando. Eu acho que talvez essa seja a coisa mais unânime no mercado, é a necessidade da criação de uma estrutura para fazer o planejamento de logística, de transporte de uma forma geral. Desde a extinção do Geipot [Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes], existe um espaço vazio que nunca foi ocupado por ninguém.

Folha/UOL: Só para os internautas entenderem, o Geipot foi criado em 1968, 1969 e durou até o final dos anos 90, não é isso? O quê que era o Geipot?

Bernardo Figueiredo: O Geipot era um grupo. Começou nos anos 60 como um grupo executivo e em 1973 virou empresa pública. E foi extinta quando foi criada a agência [Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT] em 2002. Então, desde essa época, existe um vazio e a gente percebe muito claramente quando você vai estudar um programa como esse que está sendo agora montado pelo governo, existe uma carência de informações consistentes, de informações detalhadas, de uma série histórica de informações, que eventualmente exista dispersa e com metodologias diferentes em diversos órgãos que quando você tem que consolidar é muito difícil.

Folha/UOL: Mas essa não era a função do Ministério dos Transportes?

Bernardo Figueiredo: Não, o Ministério… Assim, quem estava fazendo esse trabalho era a Secretaria Política do Ministério. Só que é uma estrutura mais burocrática, menos focada nisso.

Ele tem, junto com isso, muitas outras atribuições. Então isso acaba sendo uma coisa meio não tratada da forma adequada.

O próprio o TCU aponta, diversas vezes, a necessidade de ter uma série história de informações para orientar melhor os projetos. Então, assim, a ideia é ter uma coleta sistemática de informações e, mais do que isso, é a gente ter uma estrutura que antecipa os problemas. A gente é muito reativo em relação aos pontos críticos da infraestrutura, do sistema de transporte de uma forma em geral. Então é necessário ter uma estrutura que esteja pensando e antecipando os problemas para que a gente possa agir antes que eles ocorram.

Folha/UOL: Mas, Bernardo, só para insistir: não há uma sobreposição de funções? Porque eu fico pensando, quando a gente pensa no Brasil, pensa na educação, na saúde, nas áreas clássicas onde o Estado atua, todas elas tem um ministério. Nessa ótica de criar uma empresa de logística e planejamento para os transportes, não seria necessário então criar uma para a saúde, outra para a educação porque os ministérios não dariam conta?

Bernardo Figueiredo: Eu não sei, eu não conheço essas áreas. Na área de transportes, esse é um instrumento fundamental. E isso é assim…

Folha/UOL: Não tem como o Ministério dar conta disso, na sua opinião?

Bernardo Figueiredo: Eu acho que não. Ele não tem estrutura suficiente para isso. A gente está prevendo, para essa fase inicial, ter uma equipe de 150 pessoas focada nisso. O Ministério não tem essa possibilidade, não tem equipe, não tem como fazer uma contratação como uma empresa tem. Então, acho, assim, esse é o ponto… Ontem eu tive na CNI [Confederação Nacional da Indústria] lá no evento que eles estavam lançando um projeto que eles trabalharam. É unânime no setor privado a necessidade e a oportunidade de criar uma empresa

Folha/UOL: Sabe a impressão que a gente tem, quem está de fora? É que as estruturas do Estado, os ministérios, ficaram muito politizados, muito burocráticos, muito obsoletos na sua governança ali e o governo, sem ter como resolver isso, vai criando outras estruturas que sejam mais magras, mais firmes e robustas para trabalhar efetivamente na governança de um setor. É isso.

Bernardo Figueiredo: Eu respeito a forma que você vê mas eu acho que o Ministério tem uma função de coordenação de diversas áreas que estão subordinadas a ele: a Valec, o Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes], a ANTT, o Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários], que está vinculado ao Ministério dos Transportes. E você exigir que ele faça esse trabalho de coordenação, de controle de qualidade, de definição de uma política, e, também, [que] você separe da rotina do dia-a-dia uma estrutura para ficar pensando no futuro, pensando os próximos passos, subsidiando com trabalho as decisões que ele toma. Eu acho que não seria eficiente fazer isso no Ministério dos Transportes.

Folha/UOL: Entendi. A EPL vai ser uma empresa que vai ter 150 funcionários, como você disse, vai ficar em Brasília? Como vai ser a estrutura, a rotina de funcionamento dela?

Bernardo Figueiredo: A princípio, nós vamos ficar em Brasília só. A EPL, na verdade, é uma transformação da Etav [Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade], quer dizer, não está se criando uma nova empresa, está se ampliando o escopo da empresa de trens de alta velocidade. Existe a previsão de ter escritórios regionais. No caso de trens de alta velocidade, está previsto em Campinas e no Rio [de Janeiro]. E, agora, isso foi um pouco aberto. Tem possibilidade de implantar onde for necessário, quando for necessário. Mas, hoje a gente não tem essa previsão de ter essa necessidade.

Folha/UOL: A Etav vai ficar, vamos dizer, embutida na EPL ou vai ficar separada?

Bernardo Figueiredo: Não, é a mesma empresa.

Folha/UOL: É a mesma coisa?

Bernardo Figueiredo: É a mesma empresa, é.

Folha/UOL: Vai ser como se fosse um departamento dentro da EPL que vai cuidar disso? Ou como é que funciona?

Bernardo Figueiredo: É. Na verdade, a gente está estruturando a EPL com uma estrutura mais leve e mais flexível. Então, na verdade, nós vamos ter núcleos de excelências em engenharia, em serviço, em infraestrutura, em meio ambiente. E nós vamos funcionar um pouco no sistema matricial, quer dizer, nós vamos fazer uma gestão por projeto, mas com os núcleos de excelência fazendo projetos de ferrovias, de portos. Um projeto de engenharia… Um engenheiro capaz de fazer um projeto de engenharia é capa de fazer um projeto de engenharia de qualquer uma desses…

Folha/UOL: E EPL é uma empresa 100% estatal federal.

Bernardo Figueiredo: Ela é uma S.A. [Sociedade Anônima] de capital fechado 100% pública.

Folha/UOL: E como vai ser a regra de governança e transparência dela? Eu pergunto à luz agora da Lei de Acesso à Informação. Ela [a EPL] vai seguir a mesma regra dos ministérios, de divulgar todos os seus dados, salários de funcionário, balanços, essas coisas?

Bernardo Figueiredo: Claro. E mais do que isso. Nós vamos, assim que o programa estiver fechado, nós vamos criar um hotsite onde nós vamos dar transparência a todos os passos de todos os projetos que estiverem a cargo da EPL. Desde as contratações até os resultados, a gente acha que a transparência é a única e a principal defesa do gestor público. E nós queremos que esse projeto seja acompanhado sistematicamente por todo mundo.

Folha/UOL: Então vai estar na internet lista de todos os projetos, cronograma de execução, valor empenhado, gastos, essas coisas todas?

Bernardo Figueiredo: Relatório de acompanhamento, resultado de estudo. Às vezes você tem alguns vícios nas coisas porque alguma informação fica retida muito tempo e só sai na hora da licitação. Nesses projetos, não. Se eu fiz o estudo de demanda e esse estudo está pronto, ele é publicado na mesma hora. Então todo mundo fica sabendo de todas as informações ao mesmo tempo e da mesma forma.

Folha/UOL: Qual é a sua expectativa para que isso tudo esteja disponível?

Bernardo Figueiredo: A expectativa é que os programas de aeroportos e portos seja lançado agora em setembro e assim que concluir, que for lançado, a gente abra o hotsite. Ele já está estruturado, a gente está trabalhando agora no conteúdo dele.

Folha/UOL: Estamos falando de setembro, outubro. Em outubro vai existir já esse hotsite da EPL com os dados que já existam à disposição?

Bernardo Figueiredo: É isso.

Folha/UOL: Quando a empresa foi anunciada, a presidente anunciou todo esse plano de investimento, falou-se em valores, falou-se em R$ 133 bilhões. Poderia explicar mais uma vez, porque já foi explicado pela presidente, a que se refere tudo isso? Quanto tempo para que isso seja de fato investido? Quanto é privado, quanto é público?

Bernardo Figueiredo: Bom, o programa de R$ 133 bilhões é para ser executado em cinco anos e é para ser contratado todo no ano que vem. Então é um programa para iniciar a implantação em 2014 e concluir em 2018.

Folha/UOL: A que se referem os R$ 133 bilhões?

Bernardo Figueiredo: São R$ 91 bilhões para ferrovia e R$ 42 bilhões para rodovia. Todo o programa vai ser executado por concessão. A participação pública, no caso de rodovias é zero. No caso de ferrovia, na verdade, o governo vai tomar o risco do negócio. Então existe uma expectativa de que o governo recupere 60%, 70% desse valor…

Folha/UOL: Por valor, os R$ 90 bilhões?

Bernardo Figueiredo: Os R$ 90 bilhões que serão investidos. Então teria, a princípio, uma participação do poder público na ordem de 70%… De R$ 20 a R$ 30 bilhões, né? Mas pode ser zero também. E pode ser um resultado positivo. Porque, na verdade, no caso de ferrovias, o governo está apostando que a infraestrutura é um instrumento suficiente e necessário para alavancar o desenvolvimento e a atividade econômica.

Folha/UOL: Foi anunciada que, no caso das ferrovias, o governo assume parte do risco porque ele compra capacidade operacional das estradas de ferro e daí revende, tem aí algum retorno, que é esse que você está mencionando. E a minha pergunta é: quanto tempo, no seu cálculo, será necessário para que essa malha ferroviária seja autossustentável e funcione no âmbito privado apenas e não com ajuda do governo?

Bernardo Figueiredo: Na verdade, a ajuda do governo tem dois objetivos. O primeiro é você criar um ambiente mais competitivo na disputa pela concessão. Quer dizer, na hora que você assume o risco de demanda e todo o risco de mercado é assumido pelo governo, você amplia o universo de investidores que se interessariam por esse negócio.

O investidor estrangeiro, por exemplo, ele percebe o risco de demanda de uma forma muito mais forte que o investidor nacional eventualmente pelo desconhecimento da realidade econômica do país. Então, ao tomar o risco de demanda eu estou criando condições objetivas de ter uma maior disputa pela concessão. Mas existe um outro objetivo que é: ao assegurar que toda a capacidade da ferrovia está vendida e que o risco do negócio é apenas o risco da engenharia, da construção e da gestão dessa ferrovia, nós vamos construir um preço no leilão, um preço que seria um pedágio da circulação dos trens, em situações otimizadas. Quer dizer, aquele é o menor pedágio possível para aquela ferrovia porque é o pedágio construído num processo de concessão que é competitivo, que é disputado. Então as empresas vão fazer uma oferta o mais baixo possível, considerando os custos de construção. E do outro lado é um pedágio construído na plena utilização daquela infraestrutura.

Então nós vamos repassar no mercado o direito de circularem trens nessa ferrovia no melhor preço possível. E num preço que é fixo para todo mundo e fixo no longo prazo.

Folha/UOL: Quanto tempo vai demorar para isso amadurecer, como disse antes, e para que daí o governo possa aos poucos saindo e não seja mais o garantidor do risco?

Bernardo Figueiredo: Você tem hoje um estudo de mercado, quer dizer, e o estudo de mercado pega a situação atual… É difícil você pegar o efeito indutor da infraestrutura no mercado. A gente prevê que o prazo de maturação desse projeto é de cinco a seis anos depois de implantado, na base atual.

O que nós vamos fazer é que nós temos um período de cinco anos em que essa estrutura vai ser construída. E ela vai ser construída com muita previsibilidade para o mercado. Quer dizer, eu tenho uma concessão, eu tenho uma empresa privada que tem um cronograma, tem um contrato que ela tem cumprir aquele cronograma. Então o mercado já vai perceber que é previsível que aquela infraestrutura aconteça.

Nesses cinco anos, eu acho que nós vamos construir uma outra expectativa com relação a essa infraestrutura. Então, empresas podem se projetar instalando porque vai ter infraestrutura. E nós vamos começar a vender essa capacidade imediatamente. Na hora em que fechar o leilão que tiver o preço formado, já vai ser um processo aberto. Existe a disponibilidade de circular tantos trens em tal ferrovia por tal preço. Então as pessoas já vão começar. Nós vamos ter cinco anos de trabalho prévio de animar o mercado.

Folha/UOL: Mas e após os cinco anos? E daqui dez, daqui 15 anos? Qual que é a expectativa da necessidade da presença do estado? Ou ela vai ser perene?

Bernardo Figueiredo: Não, a presença do estado é absolutamente… Ela é só um veículo, de um lado, de garantir o melhor preço e a maior competitividade e oferecer isso no mercado. A Valec não interfere nesse processo. Ela não fazer negociação. O preço está definido. A capacidade está definida. Então, a função da Valec é, simplesmente, de fazer a ponte entre concessionário e usuário.

Pode chegar um momento em que essa ponte não é mais necessária. Mas, assim, ela também não é um elemento que atrapalha. O foco do concessionário é garantir a capacidade da ferrovia, o desempenho dos trens e fazer ampliação de capacidade sempre que necessário. É esse o foco dele. Ele não tem que se preocupar com o mercado e ele tem que ser neutro em relação ao mercado.

Folha/UOL: Uma das metas da EPL é integrar as diversas modalidades de transportes no país. Como é hoje a distribuição percentual, em modos de transportes, de cargas no país quanto a rodovia, ferrovia? E qual é a meta em cinco a dez anos para essa distribuição percentual?

Bernardo Figueiredo: Fernando, essa é uma boa pergunta e eu vou falar a minha visão pessoal disso. Hoje o que se diz é que a ferrovia tem cerca de 20%, a rodovia 60%…

Folha/UOL: Esses números são confiáveis?

Bernardo Figueiredo: Pois é. Não existe um trabalho de levantamento disso. Eu acho que um dos principais trabalhos, o primeiro trabalho é que a minha meta de trabalho dentro da EPL é exatamente fazer uma ampla pesquisa de mercado. A última que foi feita em bases técnicas, de uma forma ampla, de uma forma tecnicamente bem construída foi nos anos 70. De lá para cá, o que tem hoje é uma atualização desse número.

Folha/UOL: Deteriorou muito o uso de ferrovias, dos anos 70 para cá, né? Quer dizer, diminuiu muito.

Bernardo Figueiredo: Tem até uma estatística interessante. É que, em 1993 a rede bateu recorde de transporte. Que era um pouquinho acima do que ela transportou no final dos anos 70. Então, assim, nos anos 80 teve uma… uma…

Folha/UOL: Uma barreira…

Bernardo Figueiredo: … Em função até da situação econômica do país, diminuiu muito. Depois que foram concedidas para a iniciativa privada, alguns segmentos cresceram bem. Por exemplo, transporte de minério, até em função do mercado de minérios. Cresceu muito soja, cresceu muito. Mas a ferrovia é muito focada nesses mercados.

Folha/UOL: Agora qual que é, já que não há estudo científico, qual que é o seu palpite sobre o percentual de divisão entre os modais de transportes de carga hoje?

Bernardo Figueiredo: Eu prefiro raciocinar o seguinte: se nós excluirmos dessa estatística o minério de ferro, a participação da ferrovia é menos que 10%.

Folha/UOL: E o resto fica para rodovia?

Bernardo Figueiredo: O resto é caminhão. E é esse que é o grande desafio. O que está no caminhão hoje, a ferrovia não tem equipamento para transportar, porque os equipamentos que a ferrovia tem são para transportar minério e soja. Você não tem vagões para transportar contêiner, vagões fechados para transportar carga de alto valor agregado. Então não tem velocidade na ferrovia. Hoje, esses trechos que vão ser modernizados, a velocidade é dez, 15 quilômetros por hora que o trem circula. Então, essa velocidade não viabiliza você fazer um investimento numa locomotiva moderna de US$ 2 milhões e vagões.

Folha/UOL: O que seria ideal para o Brasil em termos percentuais entre rodovias e ferrovias ou hidrovias, que seja?

Bernardo Figueiredo: Eu não gosto muito desses parâmetros “o ideal é isso”.

Folha/UOL: Mas o que seria desejável?

Bernardo Figueiredo: Se fala que é 30%, 35%. E você olha muito a experiência…

Folha/UOL: Da ferrovia?

Bernardo Figueiredo: É. E você muito a experiência internacional. Mas se você pegar, por exemplo, a densidade da malha dos Estados Unidos, que tem uma participação em torno de 40%…

Folha/UOL: Ferrovias?

Bernardo Figueiredo: Ferrovias. Então, assim, eles têm uma malha densa, que cobre o território todo americano, que é uma malha moderna. Isso propicia ter 40%. Mas hoje nós estamos muito longe de ter essa mesma cobertura, então você falar de 30%… O que a gente quer desenhar é uma estratégia. Qual é a melhor participação da ferrovia ou a participação da ferrovia que gera o melhor curso logístico, quer dizer, que reduz o custo logístico. Nós vamos buscar essa melhor participação. Talvez depois que a gente conhecer melhor o mercado rodoviário, que é o grande desconhecido, a gente possa formular uma estratégia, uma meta de se atingir uma participação de ferrovia.

Folha/UOL: Mas a tua expectativa, pensando no médio prazo, aí cinco anos, seria que em cinco anos já exista uma mudança na participação da malha ferroviária no transporte de cargas de quanto? Hoje seria cerca de dez, iria para quanto?

Bernardo Figueiredo: Eu acho que a gente pode dobrar isso com facilidade porque nós estamos projetando agora, nesse programa, nós vamos criar um eixo de rodovia moderna de Recife até Porto Alegre. Paralelo à BR-116, BR-101 que são os eixos rodoviários de maior carregamento de carga e que pega a maior parte desse mercado de transporte rodoviário. E com a ferrovia aberta e com um pedágio, uma tarifa muito baixa, então, assim, a ferrovia tem todas as condições de velocidade, de preços, para ser muito agressivo nesse mercado. Então acho que a gente vai tirar muito caminhão da estrada.

Folha/UOL: Ou seja, em cinco anos, aproximadamente…

Bernardo Figueiredo: Eu acho que pode dobrar a participação de ferrovias.

Folha/UOL: … de cerca dos dez [por cento] de hoje, exceto minério de ferro, para 20%.

Bernardo Figueiredo: O que significaria 30% de participação. Porque o minério tem 10%, né? Porque quando a gente fala essa projeção, o minério não vai crescer e nem é a meta de fazer essa participação só com minério.

Folha/UOL: Uma das grandes dificuldades para fazer grandes obras de infraestrutura no país, todo mundo fala, são as licenças que são necessárias para iniciar para a obra, licenças ambientais, tribunais de contas, essas coisas todas. No caso da EPL, agora com esse plano todo, vai ser necessário fazer um regulamento a parte, uma legislação nova? É necessário algo ou dar para trabalhar num ritmo bom com as regras do jeito que estão?

Bernardo Figueiredo: A minha percepção é que sim, que dá para trabalhar. O que precisa ser feito e que está sendo feito? Ontem nós tivemos uma reunião com o TCU [Tribunal de Contas da União]. Vamos agora, semana que vem, ter reuniões técnicas. Ontem foram com os ministros. E que nós vamos já começar, desde já, a apresentar para o TCU o quê que nós estamos fazendo, como é que vai ser feito, qual é o modelo. De forma que, assim, o TCU não vai tomar conhecimento disso daqui as seis meses quando eu entregar lá o estudo. Quando eu entregar o estudo ele vai saber exatamente o que contem já o estudo e porque que contém. Eu acho que isso facilitar a análise que o TCU faz do projeto.

A mesma coisa nós vamos fazer na área ambiental. O ministro Paulo Sérgio [dos Transportes] está marcando uma reunião com a ministra Isabela [Teixeira, do Meio Ambiente] para nós começarmos a discutir com o meio ambiente os projetos que nós vamos fazer para que o meio ambiente nos sinalize quais os cuidados que tem que ser tomados na elaboração desse projeto para que o projeto de licenciamento seja mais ágil.

Folha/UOL: Ou seja, num momento pré-licitação, ainda na fase de estudos, os órgãos reguladores e de controle serão convidados ou serão procurados…

Bernardo Figueiredo: A participar do processo.

Folha/UOL: … a participar do processo?

Bernardo Figueiredo: É isso. Nós fizemos isso no trem de alta velocidade e foi muito bem sucedido. Antes de definir o traçado do trem de alta velocidade, nós tentamos com todos os órgãos do meio ambiente. “Nós vamos fazer um trem, quais são as restrições ambientais, quais são os cuidados que nós temos que observar na definição do traçado?” E essa equipe da área do meio ambiente acompanhou todo o processo até hoje. Então, tem uma experiência bem sucedida disso que a gente quer repetir para os outros projetos.

Folha/UOL: Mencionou o trem de alta velocidade, o chamado trem-bala. Por que o Brasil precisa de um trem-bala para passageiros e não de um trem talvez apenas de alta velocidade que possa levar passageiros e carga também?

Bernardo Figueiredo: Nós estamos fazendo as duas coisas, né? Essas ferrovias novas permitem a circulação de trens de passageiros numa velocidade de 100 a 150 quilômetros por hora. No caso de trens de alta velocidade, no eixo Rio-São Paulo, o estudo que foi feito do governo brasileiro com o governo alemão no final dos anos 90 fez uma análise exaustiva de todas as possibilidades que tinha de atender a mobilidade no eixo Rio-São Paulo e concluiu que a mais adequada era o trem de alta velocidade.

Eu costumo falar que nessa questão do trem nós temos que responder a três perguntas. A primeira: Dá para não fazer nada em termos de mobilidade entre o Rio e São Paulo nos próximos 40 anos? Existe um consenso de que tem que fazer alguma coisa. Se eu tenho que fazer alguma coisa, eu vou fazer mais aeroportos, mais rodovias ou vou fazer ferrovia? Todo mundo acha que eu tenho que fazer uma ferrovia.

Aí vem uma questão, o seguinte: Eu vou fazer uma ferrovia onde vão circular trens que eram utilizados no século 20 ou nós vamos construir uma ferrovia olhando a realidade tecnológica do século 21? Também todas as pessoas de bom senso acham que tem que ser para essa tecnologia de hoje. Porque o esforço de construir uma ferrovia tem que ser feito para qualquer que seja a tecnologia. A diferença é que a ferrovia para circular trens numa velocidade maior tem que ter um raio de curva mais leve, ela tem que ter determinadas características diferentes do trem de média velocidade.

Folha/UOL: A distância entre São Paulo e Rio também vai ter ferrovia que vai permitir os trens circularem, trens de carga, a 100, 150 quilômetros, nesse caos?

Bernardo Figueiredo: Esse trecho está concedido. Hoje não tem, mas nós teríamos que fazer uma remodelação da linha existente.

Folha/UOL: A linha existente seria transformada para atender esse tipo de trem com essa velocidade, né?

Bernardo Figueiredo: Ela pode fazer. Hoje isso não está no programa. Mas ela pode. Ela pode ser reabilitada para isso.

Folha/UOL: Por que ela não está no programa?

Bernardo Figueiredo: Porque não faz muito sentido. Como a gente vai fazer de alta velocidade, não tem sentido fazer esse investimento ali para criar um sistema alternativo. Porque, assim, no atendimento do trem de alta velocidade vai fazer um atendimento regional, vai fazer o pinga-pinga. Como é feito em todo lugar do mundo. Nós vamos ter o trem expresso e nós vamos ter o trem que para em todas as estações. Então, assim, não se vê necessidade fazer esse tipo de remodelação para transporte de passageiro porque você já vai ter uma ferrovia muito melhor.

Folha/UOL: Mas para a carga?

Bernardo Figueiredo: Para a carga ela já tem capacidade suficiente. Ela tem hoje, a linha de São Paulo e Rio, tem ociosidade de quase 70%.

Folha/UOL: Mas qual a velocidade que o trem trafega nessa via?

Bernardo Figueiredo: De carga? O trem de carga de 60, 40, 60 quilômetros por hora.

Folha/UOL: E só tem disso? Não é pouco?

Bernardo Figueiredo: Para carga, esse é um padrão interessante. O problema dessa linha é que nós temos, e é um problema do resto de toda a malha, é que nós temos hoje na malha brasileira, a cada um quilômetro e meio, nós temos o cruzamento da ferrovia com uma rodovia ou com uma rua. E a maior parte desses cruzamentos não tem uma sinalização adequada, elas são feitas em nível, então, um dos dois [o carro ou o trem] tem que parar. Então, assim, essas intervenções vão permitir melhorar o desempenho da ferrovia.

Folha/UOL: O leilão está marcado para o ano que vem, 29 de maio de 2013, não é isso?

Bernardo Figueiredo: Dos trens de alta velocidade, sim.

Folha/UOL: Já houve vários anúncios de projetos etc. e preços e valor desse projeto todo. Hoje em dia, qual é o valor que se estima que vai ter a construção do trem bala entre São Paulo e Rio?

Bernardo Figueiredo: É, nós estamos licitando agora a operação e tecnologia. E esse operador vai ter o compromisso de pagar pelo uso da infraestrutura. Nós sempre dizemos… O estudo não mudou nada, então os valores são os mesmos. Mas o que a gente sempre disse é que…

Folha/UOL: O valor são R$ 33 bilhões, é isso?

Bernardo Figueiredo: É. E a preço de 2008.

Folha/UOL: Tem alguma correção já que o sr. trabalha dentro da EPL, desse valor?

Bernardo Figueiredo: Não, a correção é pelo IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo]. Hoje daria algo em torno de 20%, 25%. Mas é atualização monetária, não é revisão de valor do trem. A gente tem uma expectativa e esse é o valor mínimo que vai pra leilão que operador pague, em termos de valor presente, R$ 27 bilhões pelo uso da infraestrutura ao longo da concessão. O custo orçado da infraestrutura está em torno de R$ 26 [bilhões]. Vamos ver o resultado do leilão, mas, como esse é o preço mínimo, se sair pelo preço mínimo, nós temos, aparentemente, um projeto equilibrado. O que nós vamos receber do operador é suficiente para pagar a infraestrutura.

Nós vamos começar agora a fazer o projeto executo dessa infraestrutura. O projeto executivo trabalha com a precisão maior no orçamento. Depois que você tem o projeto executivo, há variação em torno de 3%, 5% no máximo. Nós vamos saber o preço real e saber se nós realmente cometemos um erro muito grave nesse orçamento da infraestrutura agora quando nós tivermos o projeto executivo concluído no final do ano que vem.

Folha/UOL: Mas a expectativa é uma variação de até 5%, é isso?

Bernardo Figueiredo: Bem, quando nós concluirmos o projeto executivo, nós vamos saber exatamente qual é o orçamento da obra. Hoje o que se fala muito do orçamento da obra… Ninguém apontou erros formais ou técnicos no estudo de engenharia e no orçamento que nós fizemos da infraestrutura. Isso vem muito das grandes empresas de construção civil do Brasil, o que eles falam é que tem um risco muito grande de não ser aquilo. Certo? “Ah, não. Pode ter uma falha geológica que implica num custo muito grande na hora em que vou fazer um túnel e eu descubro que lá passa um rio debaixo da terra e que pode…”.

Folha/UOL: Agora, a chance de isso ocorrer é enorme, não é?

Bernardo Figueiredo: Não. É muito pequena. Porque nós fizemos a sondagem. Nós não fizemos a sondagem suficiente para fazermos um projeto executivo e nós não estamos falando de uma região onde ninguém nunca construiu nada. Nós temos ali dutos, nós temos estradas, nós temos ferrovias. Então não é uma região que tem uma geologia desconhecida. E nós fizemos um estudo geológico que agora nós vamos aprofundar porque agora nós vamos fazer o projeto executivo. Então, assim, se tiver esse erro, nós vamos saber e vamos corrigir.

Folha/UOL: O projeto executivo vai ser montado no sentido de incentivar algum tipo de tecnologia específica para o trem-bala brasileiro?

Bernardo Figueiredo: Nós vamos selecionar tecnologia antes. Quando nós concluirmos o projeto executivo nós já vamos saber qual é a tecnologia é que ganhou a licitação da operação. Então, o projeto será assim customizado para essa tecnologia.

Folha/UOL: Mas a licitação vai ser montada de forma tal a incentivar determinados tipos ou um determinado tipo de tecnologia utilizada?

Bernardo Figueiredo: Não. Na licitação da infraestrutura… Nessa agora, não. Na licitação da infraestrutura, a ideia é de que a gente licite a infraestrutura em lotes. Nós vamos dividir esses 500 quilômetros em sete, oito lotes de forma que nós vamos contratar sete, oito empresas de construção para fazer essa infraestrutura.

E no processo aberto a disputa internacional. Nós queremos grandes empresas, queremos empresas que tenham confiabilidade na execução do projeto, mas vai ser um processo disputado.
E porque os sete, oito lotes? Porque isso permite você fazer simultaneamente toda a ferrovia. O que abrevia o prazo de construção.

Folha/UOL: Falando de ferrovias, tem uma informação que o governo pretende eventualmente retomar um trecho de ferrovia que foi concedido a iniciativa privada na região metropolitana de São Paulo até Santos. Primeiro, isso é um fato? E como vai se dar esse processo?

Bernardo Figueiredo: Eu até agradeço você me dar a oportunidade dessa pergunta porque eu acho um ponto que anda mal esclarecido.

Assim, antes de anunciar o programa, nós conversamos essa possibilidade com todas as concessionárias e todas estão de acordo com isso. O que acontece é que no contrato de concessão, que existe nesses antigos, não tem instrumentos para que elas falam investimento e nem é o foco do negócio delas fazer um investimento que vai remodelar toda a ferrovia, que é um investimento pesado.

O que nós acordamos com eles, nós vamos assegurar a eles que nessa infraestrutura que vai ser remodelada, vai ser assegurada a eles circular os trens para cumprimento das metas que eles já têm acertados com a agência. Eles têm metas de transporte. Eles devolvem esses trechos e a gente assegura para eles que eles podem circular o trem para cumprir a meta deles. Existem situações, por exemplo, em São Paulo…

Folha/UOL: Mas eles estão de acordo com os concessionários?

Bernardo Figueiredo: Estão. Eu acho que vai ter um processo de negociação ainda.

Folha/UOL: Por que eu estou perguntando isso? Porque vai ter um trecho que foi, enfim, concedido por “x” anos. Agora o governo acha que não foi muito bom e pretende reassumir, mas, ainda assim, dá aos concessionários atuais o direito de ter o cumprimento da meta deles. Mas isso não cria uma expectativa talvez ruim para o futuro, no sentido de que novos concessionários vão olhar “bom, está acontecendo isso aqui. Será que eu ganho uma licitação e depois vão querer de volta?” Isso não cria uma instabilidade grande?

Bernardo Figueiredo: Não. É o contrário. Porque, assim, você pega, por exemplo, a ligação de São Paulo a Porto Alegre, ou de Belo Horizonte à Salvador, ou de Salvador à Recife. Quantos trens passam nessas ferrovias hoje? Passam um, dois trens por semana, certo? Então, eles são responsáveis hoje por ter um trecho, por manter um trecho em que as condições daquele trecho não propiciam você intensificar o tráfego porque ele é muito competitivo, porque o trem anda muito devagar, porque não tem segurança para você trazer cargas, por exemplo, petroquímicos, que é uma carga, que tem nesse trecho, grande.

O que nós estamos fazendo é pegar…. Então, assim, não adianta eu ter ligando São Paulo-Porto Alegre ou Salvador-Belo Horizonte uma ferrovia do século 19. Eu tenho que ter uma ferrovia do século 21. E nós vamos assegurar para eles que esses dois ou três trens que eles passam por semana nesses trechos vão circular numa ferrovia muito melhor, certo? E vai ampliar o universo. Eles vão poder comprar também capacidade nessa ferrovia e vão ampliar o escopo de negócio deles.

Folha/UOL: Nós estamos falando do trecho que sai de onde até onde? De São Paulo até onde?

Bernardo Figueiredo: Esse trechos que têm essas características que você está falando é que vai de Recife [a] Salvador [a] Belo Horizonte, de Vitória ao Rio. São trechos em bitola estreita, construídos no século 19 e que taticamente não são utilizados. São Paulo [a] Porto Alegre, a mesma coisa: ferrovia antiga, não é utilizada. Único trecho que é utilizado, mas com graves restrições é o de São Paulo.

Folha/UOL: Que é de São Paulo até Santos?

Bernardo Figueiredo: É, que nós estamos… Que foi proposta da concessionária inclusive. Ela que propôs que viesse o eixo… Nós estávamos discutindo o ferroanel, o [ferroanel] sul e o [ferroanel] norte. E ela [a concessionária] falou assim: “por que não trata, faz um tratamento do conjunto todo?”. E nós achamos que era boa ideia.

Folha/UOL: O que vai acontecer? O governo vai reassumir esses trechos?

Bernardo Figueiredo: Não. Elas devolvem o trecho…

Folha/UOL: Termina a concessão?

Bernardo Figueiredo: Não… Eles têm dois contratos: um de arrendamento dos ativos e um da prestação de serviços. No contrato de arrendamento, eles podem devolver trechos que estão arrendados. Ele fala “não, não me interessa isso”, eles têm esse direito de devolver trecho. O que eles têm que fazer é indenizar pelas perdas que, eventualmente, tenham ocorrido em função de não ter sido mantido, ou de ter sido abandonada alguma coisa desse tipo.

Mas eu queria insistir no caso de São Paulo porque hoje a MRS passa dentro de São Paulo de madrugada, porque durante o dia, em função da segurança do transporte de passageiros, nela não pode circular trens de carga e não pode… E os trens de carga que circulam têm restrições de carga, de peso e tal.

Com a construção do ferroanel e com a melhoria do acesso a Santos, o volume de negócios que vai ter, não só para a MRS, mas para qualquer outro usuário ou operador que queira usar, vai ser muito grande. Então, assim, todo mundo ganha nesse processo.

Folha/UOL: Ninguém está reclamando?

Bernardo Figueiredo: Eu até agora não recebi nenhuma queixa.

Folha/UOL: Das atuais concessionárias?

Bernardo Figueiredo: Isso foi discutido com eles. Eles não têm razão… Assim, existe sempre uma forma correta de você fazer a coisa, em que você não impõe nem prejuízo, nem você leva prejuízo…

Folha/UOL: Ao todo, quantos quilômetros de ferrovia vão ser reincorporadas para essas melhorias etc que hoje estão só com a iniciativa privada, foram concedidas ou arrendadas?

Bernardo Figueiredo: Seis, sete mil [quilômetros de ferrovias].

Folha/UOL: Seis, sete mil quilômetros pde ferrovias]. Então hoje arrendadas, ou concedidas…

Bernardo Figueiredo: Eu não tenho essa conta exata. Mas eu acho que, pelo menos, 5 mil quilômetros.

Folha/UOL: Voltam para o governo, para fazer…

Bernardo Figueiredo: É, não voltam para o governo, né… eles vão direto para a concessão. Nós vamos contratar uma concessionária…

Folha/UOL: Uma outra concessionária?

Bernardo Figueiredo: É uma concessionária que vai pegar esses trechos, que são em bitola estreita, com um perfil de 1900 e vão trazê-los para um padrão do século 21 e bitola larga. Certo? Então esses trechos serão concedidos a uma empresa que vai reabilitá-los.

Folha/UOL: Eles estão concedidos, saem da concessão atual…

Bernardo Figueiredo: Saem de uma concessão no modelo em que a prestação de serviços é junto e vão para outra concessão, em outro modelo.

Folha/UOL: Mas nesse pit stop tem um momento em que o governo fica responsável por eles nessa transição?

Bernardo Figueiredo: Não. Até o segundo concessionário entrar, a concessionária [atual] permanece na guarda do ativo.

Folha/UOL: Aeroportos: parece que o governo está propenso a interromper só esse modelo de concessão que foi feito já agora e, talvez, procurar um outro tipo de modelagem, em que haverá um sócio privado junto com a Infraero que se mantém majoritária. É isso mesmo?

Bernardo Figueiredo: Eu não tenho essa informação e não tenho essa definição ainda. O modelo da Infraero se associar a operadores é o modelo que foi feito nos outros aeroportos. A discussão que eu tenho assistido, que você colocou, é se é 49% ou se é 51% [do controle do aeroporto a cargo da Infraero]. Eu acho que não tem essa decisão. Eu não tenho participado das discussões de aeroportos, mas não me parece ter essa decisão já. O cuidado que vai se tomar é porque essa é uma oportunidade de a Infraero se associar com a tecnologia de ponta. Com os operadores de ponta. Então, assim, a qualificação dos operadores nas próximas concessões, seja em qualquer modelo que for, vai ser um item importante.

Folha/UOL: A gente ouve que houve uma certa insatisfação em alguns setores do governo com o resultado das concessões daqueles três aeroportos que já foram feitas. Guarulhos, Brasília e Campinas. Ficou-se muito insatisfeito, dentro do governo, com o resultado da concessão, com as empresas, o porte delas, as que ganharam, etc. O que aconteceu? Houve alguma coisa que deu errado ou não?

Bernardo Figueiredo: Não, assim… a gente, inclusive, agora no trem de alta velocidade [o TAV, apelidado de trem-bala, cujo projeto liga Campinas ao Rio de Janeiro] nós estamos tomando o cuidado… Quer dizer, você tem que trazer para esse processo, a ponta… o estado da arte naquela área… E eu acho que isso…

Folha/UOL: Isso não aconteceu nessas três licitações?

Bernardo Figueiredo: Não houve essa exigência de qualificação de empresas para entrar no processo, que elas fossem o que há de melhor em termos de operação…

Folha/UOL: Então foi um erro?

Bernardo Figueiredo: É… foi um erro.

Folha/UOL: E agora, para corrigir isso, nos próximos haverá essa exigência?

Bernardo Figueiredo: É só tomar esse cuidado. É só não cometer de novo o mesmo erro.

Folha/UOL: Como corrige esse erro cometido?

Bernardo Figueiredo: É exigir qualificação de quem vai participar. É o que nós estamos fazendo.

Folha/UOL: Não, mas no caso das que já foram, Brasília e…

Bernardo Figueiredo: Não, aí nós temos que… Assim, o fato de ter grupos que são menores ou que não operam grandes aeroportos, não quer dizer que isso vá ser um fracasso ou que isso vai ser ruim.

Folha/UOL: Não foi o desejável?

Bernardo Figueiredo: É… não era… Assim, a Infraero tinha a oportunidade de trazer a tecnologia de ponta de operação de aeroporto no mundo e não trouxe. Não quer dizer que esses operadores sejam ruins. Quer dizer só que perdeu uma oportunidade de ser mais seletivo nessa operação, que é o que a gente está fazendo no trem de alta velocidade, a gente não está aceitando operador com menos de dez anos de experiência.

Folha/UOL: No caso dos aeroportos, para os próximos agora haverá essa exigência. E sobre se Infraero vai ter 49% ou 51% na operação, essa não é uma decisão tomada ainda?

Bernardo Figueiredo: Que eu saiba, não. Estou te dizendo que eu não tenho participado de todas as reuniões. Eu estou hoje mais preocupado, mais ocupado com esse programa que já foi lançado e com a estruturação da empresa [a EPL, Empresa de Planejamento e Logística] e não tenho participado dessas discussões. Mas até onde eu sei, não tem essa decisão final ainda.

Folha/UOL: A sua preferência seria por qual modelo?

Bernardo Figueiredo: Eu não acho que essa é uma questão fundamental. Eu não acho que isso faça tanta diferença. A minha opinião pessoal é que isso não é uma coisa…

Folha/UOL: O que é o principal?

Bernardo Figueiredo: Ah, o principal é você ter um bom parceiro e você ter um bom programa para o aeroporto. Isso faz a diferença.

Folha/UOL: O governo federal se incomoda um pouco quando se fala sobre a semântica desse processo todo. Porque o governo fala das concessões para a iniciativa privada. Daí vem a oposição e diz: “não, esse é um processo muito semelhante, senão igual ao que houve no governo Fernando Henrique”. Isso é só uma questão semântica? É tudo igual mesmo?

Bernardo Figueiredo: Não, o que existe de diferente é assim: o serviço público, você tem uma história de concessão. Você não pode falar assim: “eu estou privatizando porque eu estou concedendo linha de ônibus”. Sempre foi concedido. Sempre foi iniciativa privada. Sempre foi um serviço público e sempre foi operado [pelo setor privado]. Isso nunca foi chamado de privatização. O que foi a grande [operação] chamada de privatização quando ocorreu um programa dessa natureza foi a venda de empresas. Vendeu-se a Vale, vendeu-se empresas telefônicas. E que é um processo diferente. Você vender ativos não é a mesma coisa que fazer concessão. Agora, você criar um genérico de privatização de chamar as duas coisas da mesma… Você está dando o mesmo nome para duas coisas que são diferentes. Mas, assim…

Folha/UOL: Não é tudo privatização? Na sua opinião não é só uma questão semântica então?

Bernardo Figueiredo: Todos os dois eu estou transferindo para a inciativa privada alguma coisa. Em um eu estou transferindo o serviço que, depois, no final da concessão, volta para mim. Quando eu estou vendendo um ativo, aquilo nunca mais volta para mim. Certo? Aquilo eu estou transferindo definitivamente para alguém. É diferente. Ou não?

Folha/UOL: É, tem alguma nuance aí pelo menos.

Bernardo Figueiredo: É isso que é… [risos].

Folha/UOL: Deixe-me perguntar uma coisa aqui que tem relação com a política um pouco. O Senado, no início deste ano, em marco, rejeitou sua recondução para a ANTT. O governo federal, é sabido, tem maioria ampla no Senado da República. O que aconteceu? O governo não se empenhou? Os líderes dos partidos governistas grandes no Senado não se empenharam pela sua recondução para a ANTT nesse episódio?

Bernardo Figueiredo: Eu não sei. Eu não acompanho, não é uma área em que eu transite com desenvoltura. Eu não conheço. Eu vi a votação pela televisão. Acho que se criou um ambiente que é falso a meu respeito. E tenho… O Congresso tem a sua atuação política, tem a sua relação com o governo. Eu não sei qual é a razão, a motivação do Senado para me rejeitar, mas…

Folha/UOL: Foi notório nesse episódio a beligerância com que o sr. foi tratado por parte do senador Roberto Requião, que é do PMDB do Paraná. Ele é do PMDB, o PMDB faz parte do governo. O que aconteceu? Por que o senador Roberto Requião faz tantos óbices ao seu nome?

Bernardo Figueiredo: Eu sinceramente, eu não sei. Eu não tenho uma relação com ele, não tenho uma história de ter tido algum tipo de envolvimento meu, alguma coisa que eu tenha feito…

Folha/UOL: Ele alega que queria construir uma ferrovia, quando era governador [do Paraná], por um determinado preço, mas o sr., por intermédio da ANTT à época, dizia que o custo era maior. Houve uma divergência a respeito disso. É isso mesmo?

Bernardo Figueiredo: Isso, inclusive, eu tive a oportunidade de explicar no processo que o ministro Paulo Bernardo [das Comunicações] moveu contra ele e que ganhou na Justiça. O que aconteceu é que, quando a gente lançou o PAC existia a necessidade de fazer uma intervenção, melhorar o acesso Paranaguá que beneficiaria uma concessão estadual, do Estado do Paraná. Existiam duas opções para isso. Uma que era a ligação que já existia, era usada pela ferroeste. E uma outra que era uma ligação nova, a construção de uma ferrovia nova.

Quando nós fomos… Aí fui eu e o ministro Paulo Bernardo para discutir com ele qual era a melhor opção na visão do Estado. Nós fomos lá com o processo em aberto. Nós fomos lá para que ele dissesse qual era o melhor… Na época, ele disse que tinha tido contato com a ALL [América Latina Logística] e ele começou a dizer: “Ah, vocês querem fazer isso, isso e isso”. Inclusive foi uma reunião que acabou rápido porque nós nos retiramos. [Retiramo-nos] porque ele falava… “Não, não é isso governador. Nós estamos propondo, queremos saber o trecho, depois desse trecho é uma concessão da ferroeste, é ela que vai ter que fazer isso. Existe a possibilidade de fazer com vários modelos”. E ele insistia na tecla. Ele chegou a ligar par ao secretário de infraestrutura dele para falar assim: “Quer ver que esse negócio custa R$ 150 milhões e não R$ 500?”. Nós não tínhamos o valor. No PAC nós tínhamos colocado o valor que era para contemplar a possibilidade de fazer as duas coisas. Ele ligou para o secretário, o secretario confirmou que o valor era perto do que a gente tinha falado e não do que ele estava falando. Ele desligou o telefone e continuou falando a mesma coisa. Nós nos retiramos da casa e fomos embora. Depois que nós saímos, ele botou na imprensa um monte de coisa… O ministro Paulo Bernardo indenizou e ganhou. E ele está indenizando o ministro Paulo Bernardo.

Folha/UOL: Será que não tem risco agora de, no Senado, por causa desse problema que já existiu, haver um problema político e a Medida Provisória que criou a EPL e fez todo esse plano, que ela seja rejeitada?

Bernardo Figueiredo: Eu, assim, eu acho que seria lamentável se isso ocorresse porque isso afronta o que a sociedade toda e todos os agentes que estão envolvidos em logística acham que deve ser feito. Mas, assim, eu não tenho desejo pessoal com relação a isso, não.

Folha/UOL: O sr. acha que nesse episódio o senador Roberto Requião está equivocado?

Bernardo Figueiredo: Em todos eu acho que ele está equivocado.

Folha/UOL: O sr. já disse em outras entrevistas que, às vezes, tomou alguma bronca da presidente Dilma Rousseff. Como é sua relação com ela? Que tipo de pedidos ela faz para o sr. no dia a dia das suas relações com ela?

Bernardo Figueiredo: A minha relação com ela não é uma relação do dia a dia. Eu só encontro com a presidenta em reuniões de trabalho e, geralmente, com um grupo grande de pessoas. Eu não tenho um contato pessoa e reuniões privadas, nunca tive. Nessas reuniões de trabalho ocorrem discussões e, eventualmente, nós levamos projetos que têm fragilidades. E as broncas são em função de a gente não ter os cuidados necessários para levar um projeto mais consistente. É muito isso, eu não tenho uma relação pessoal com a presidenta.

Folha/UOL: Bernardo Figueiredo, presidente da EPL, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.

Bernardo Figueiredo: Muito obrigado pela oportunidade de estar aqui com vocês.

Clique no link abaixo e assista os vídeos da entrevista de Bernardo Figueiredo

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/08/30/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-bernardo-figueiredo-a-folha-e-ao-uol.htm