Irregularidades deixam as obras da ferrovia Norte-Sul sem conclusão

15/07/2012 - Jornal Nacional

A equipe do JN no Ar foi até Goiás para ver de perto a situação da ferrovia. Há denúncias de superfaturamento e desvio de dinheiro.

Por Alan Severino - Anápolis, GO

A equipe do JN no Ar foi até Goiás para ver de perto a situação da ferrovia Norte-Sul. Há denúncias de superfaturamento e desvio de dinheiro na execução das obras.

Visitamos um trecho da ferrovia Norte-Sul, que deveria estar sendo inaugurada agora, em julho, e que só deve ficar pronta em setembro do ano que vem. É um trecho que vai de Palmas até Anápolis, sob responsabilidade da empresa pública Valec.

Em uma noite de céu limpo, voamos de Guarulhos a Goiânia em apenas uma hora e vinte. De manhã cedo, já estávamos a caminho de Anápolis e do choque de realidade com o ritmo das obras públicas brasileiras.

No meio do mato, quilômetros e quilômetros de trilhos e um silêncio perturbador. Não há som de locomotiva nessas bandas da ferrovia Norte-Sul, a estrada de ferro que tem a missão de interligar as regiões brasileiras.

Esse deveria ser um dos principais caminhos do desenvolvimento do Brasil. Uma ferrovia estratégica para escoar a riqueza do interior do país. Mas em um trecho da ferrovia Norte-Sul, os trilhos não chegam a lugar nenhum, porque as obras foram interrompidas.

E esse não é o único problema. A estrada de ferro é de via única. Por isso é preciso construir pátios, para que um trem possa passar por outro que venha no sentido contrário. Os pátios também são essenciais para carregar e descarregar mercadorias, mas oito deles nem saíram do papel. Um deveria ficaria em um local onde só tem mato.

O sonho da ferrovia Norte-Sul começou a ser construído 25 anos atrás. Depois de duas décadas paradas, as obras foram retomadas em 2007. O projeto prevê 4,5 mil quilômetros de trilhos, ligando Barcarena, no Pará, a Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

Apenas 2,2 mil quilômetros passaram por algum tipo de obra, e só 1,5 mil quilômetros de trilhos foram construídos.

O Tribunal de Contas da União encontrou indícios de irregularidades em quatro pontos da ferrovia: sobrepreço e superfaturamento entre Aguiarnópolis e Palmas - e Palmas e Uruaçu; deficiências no projeto entre Uruaçu e Anápolis; e ainda atraso, falta de fiscalização, problemas de licitação e mais sobrepreço no trecho que vai de Ouro Verde de Goiás a Estrela d’Oeste.

Na semana passada, o ex-presidente da Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha, chegou a ser preso pela Polícia Federal por suspeita de desvio de verbas da ferrovia. O atual presidente da estatal, José Eduardo Castello Branco, culpa a antiga direção da empresa pelos problemas e quer responsabilizar também as empreiteiras que fizeram a obra.

“Nós temos que contratar outras empresas. Poderão ser até as mesmas, mas se vencerem a licitação. Então, nós estamos programando para agosto uma licitação ou duas para resolver estas obras remanescentes. O grosso deste investimento adicional não é o ‘refazimento’ de obras, mas a execução de obras que deixaram de ser feitas”, afirmou José Eduardo Castello Branco.

Para isso, a Valec pediu mais R$ 400 milhões ao governo federal.

No Porto Seco de Anápolis, um imenso terminal de cargas usado por empresas exportadoras e importadoras para armazenar e despachar mercadorias, dá para ter uma ideia da falta que faz a ferrovia Norte-Sul; 90% são transportados por caminhões, porque os trilhos da Norte-Sul ainda não chegam até lá.

Só uma pequena parte segue de trem pela ferrovia Centro Atlântica. A indústria de telhas leva tudo de caminhão e lamenta o frete alto.

“Você inviabiliza o produto, torna o produto caro por causa dos custos de transporte”, aponta Mário Forlim, diretor industrial da fábrica.

Boa parte da soja também segue pelas rodovias até o porto de Paranaguá, de onde a carga segue para a China. O caminho seria mais curto pelos trilhos até a Região Norte.

“O Brasil vai ganhar, o produtor, o consumidor final vai ganhar muito com essa ferrovia. Eu não sei por que isso não acontece no Brasil”, diz Edson Tavares, superintendente do Porto Seco.

Enquanto isso, estradas cheias de caminhões. A riqueza que a ferrovia deveria multiplicar se perde nos desvios e na burocracia.

Além de grãos e minérios, a ferrovia também poderia transportar produtos industrializados, como remédios e automóveis. O superintendente do Porto Seco disse que até produtos da Zona Franca de Manaus, que vai de Belém até São Paulo. Por enquanto, o único trecho que tem trem rodando fica entre a Açailândia, no Maranhão, e Palmas, no Tocantins. Esse trecho é operado por uma empresa privada.