Estatal terá despesa extra para consertar falhas de ferrovia

15/06/2012 - Valor Econômico

Jose Eduardo Castello, presidente da Valec: erros graves identificados em cinco lotes das obras da ferrovia Norte-Sul

Além de gerar prejuízos para o setor de transportes de carga do país, devido ao atraso no cronograma previsto para a entrega da obra, a Ferrovia Norte-Sul também vai provocar despesa extra para os cofres públicos. A estatal Valec, responsável pela construção da Norte-Sul, fez um pente-fino em cada metro de trilho já instalado em boa parte do trecho sul da ferrovia, entre as cidades de Palmas (TO) e Anápolis (GO), numa extensão de 855 quilômetros.

O levantamento da estatal aponta que será preciso bancar uma fatura extra de nada menos que R$ 400 milhões para consertar estruturas e trilhos que foram mal instalados, além de ter que erguer uma série de pátios logísticos ao longo da malha, estruturas que constavam dos contratos firmados com empreiteiras, mas que não foram entregues.

"Quando mergulhamos nos contratos, vimos o tamanho dos problemas. Eles estão na origem do empreendimento. Hoje estamos fazendo o retrabalho. Se as coisas tivessem ocorrido por etapas, não estaria assim", diz José Eduardo Castello, que há oito meses assumiu a presidência da Valec com a missão de colocar ordem na casa e organizar a situação dos contratos que foram paralisados no ano passado, depois das denúncias de corrupção em torno do Ministério dos Transportes.

Estima-se que pelo menos 210 quilômetros - 25% do trecho entre Palmas e Anápolis - terão de passar por intervenções. Os erros graves foram identificados em cinco lotes da obra, os quais equivalem à metade de todo o percurso de 855 km. Há falhas grosseiras, como ausência de proteção vegetal, proteção de taludes, alta de sistemas de drenagem e aterros mal construídos. "Tudo isso gerou problemas de erosão e instabilidade sobre a via", diz Castello.

Tão grave quanto a situação dos trilhos é a dos pátios logísticos. O plano original previa a construção de nove estruturas ao longo do trecho, mas nenhuma foi feita. "Os pátios estavam no projeto e foram licitados, mas acabaram suprimidos dos contratos, porque decidiram avançar com a linha", comenta Castello. "Tocaram os trilhos e não fizeram os pátios, ou seja, hoje não tenho onde carregar o trem. Ainda que toda a linha estivesse pronta, não teria onde estacionar para receber e entregar a carga."

A presidente Dilma Rousseff cobrou da Valec o conserto imediato da malha e a construção dos pátios da Norte-Sul, ferrovia que teve a construção iniciada em 1987, durante o governo José Sarney, O atendimento a essas demandas, porém, não é nada simples.

O Valor apurou que a estatal pretendia renegociar os contratos com as duas empreiteiras que atuam nos cinco lotes problemáticos: a SPA Engenharia e a Constran. A ideia era apurar as responsabilidades pelas falhas e, se possível, aditivar os contratos para concluir as obras. As duas empresas, no entanto, não estão em condições de assumir as ações remanescentes. A SPA, que está à frente de quatro lotes que precisam de intervenção, não pode ter ou contrato aditivado, porque deve ao Fisco. A Constran, que controla um lote com falhas, já atingiu o limite máximo de 25% de aditivo sobre o valor original da obra. As duas empresas foram procuradas pelo Valor, mas não responderam ao pedido de entrevista.

Impedida de contratar as empreiteiras atuais, a Valec quer relicitar os R$ 400 milhões em obras. Para isso, também enfrenta dificuldades, porque um novo contrato só pode ser feito após encerrado o antigo. Uma comissão de sindicância foi constituída para apurar os problemas e responsabilidades. A ideia, segundo Castello, é que os contratos sejam encerrados com ressalvas.

"Como é que se encerra um contrato com passivos? Não posso encerrar algo, se já temos evidências de que parte dos problemas é responsabilidade das construtoras. Temos que garantir a possibilidade de a empresa ser responsabilizada. Como vou explicar para o TCU que estou relicitando a mesma obra?", diz Castello. "Se a culpa pelos problemas for da estatal, os responsáveis serão chamados. Se for da empresa, ela vai ter que fazer a obra, esteja com contrato estourado ou não."

Se não houver mais atraso, a estatal deve publicar o edital dos R$ 400 milhões de obras remanescentes no mês que vem, com a licitação prevista para setembro. O dinheiro já foi autorizado pelo Planalto. Na prática, porém, boa parte das obras só deverá ocorrer após janeiro de 2013, devido ao período de chuvas.

Paralelamente, a Valec tem de resolver ainda uma série de pendências administrativas de outros contratos com empreiteiras. "Há problemas ligados a aditivos de obra, ordens de serviço que não batem com o objeto do contrato. Enfim, tem confusão, mas vamos arrumar essa questão documental. Vamos trocar o pneu com o carro andando", diz Castello.

Depois de 20 anos de abandono total, as obras da Norte-Sul foram retomadas em 2007, ano em que a Vale assumiu - por R$ 1,4 bilhão - a concessão dos 719 quilômetros da parte norte da ferrovia, entre os municípios de Açailândia, no Maranhão - onde a rede se conecta à Estrada de Ferro Carajás - e Palmas. A previsão do governo Lula era inaugurar o trecho Palmas-Anápolis no fim de 2010. Pelo balanço mais recente do PAC, o prazo se encerraria no mês que vem.

Preocupada em ver logo a ferrovia em operação, a presidente Dilma exigiu que a malha seja executada e entregue por trechos. A conclusão dos 855 km foi dividida em três etapas. Pelo cronograma, a previsão é que o trajeto entre Palmas e Gurupi (TO), que está quase pronto, seja entregue em setembro. O tramo entre Gurupi a Uruaçu tem previsão para abril de 2013. Por fim, a expectativa é chegar a Anápolis até setembro do ano que vem.

A ambição da Norte-Sul, finalmente, é avançar até Estrela D'Oeste, em São Paulo. Atualmente, segundo Castello, já há cinco lotes em andamento nos 680 km desse trecho, com prazo para ser entregue até julho de 2014. Até o momento, 15% das obras desse percurso estão prontas. Com orçamento total de US$ 6,7 bilhões estimado pelo Ministério da Fazenda, a Norte-Sul é hoje a sétima maior obra de transporte do mundo.