Rei do etanol quer dominar as ferrovias

27/03/2012 - Valor Econômico

 "O jogo está apenas começando." A frase dita assim solta poderia soar pedante, mas refletia  naquele momento, mais precisamente no dia 1º  de fevereiro de 2010, uma nova fase para o empresário Rubens Ometto Silveira Mello. Ele tinha assinado um dia antes, em Londres, um dos principais acordos do mundo dos negócios, a joint venture entre a Cosan com a petroleira Royal Dutch Shell para a criação da Raízen, tornando-se uma das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil.

Até aquele momento, a Cosan era conhecida apenas como a maior companhia global de açúcar e álcool, o que não é pouco. É verdade que dois anos antes, em abril de 2008, o grupo tinha decidido sair de sua zona de conforto no setor sucroalcooleiro para se aventurar  em um novo negócio: ser dono da Esso no Brasil. Parecia um passo fora da trilha, mas a Cosan já estava começando a mudar sua trajetória. "Estavam concorrendo com a Cosan, nesse negócio, a Petrobras e o grupo Ultra [com a Ipiranga]. Foi muito bom para nós [a aquisição] porque todo mundo achava que a Cosan não tinha bala na agulha", gaba-se Binho, como é conhecido o fundador da Cosan, de 62 anos.

Rubens diz que uma coisa (a compra da Esso) não levou a outra (parceria com a Shell). Embora ele garanta que em sua futura biografia - que um dia pretende escrever - ele contará que tudo foi de caso pensado.

Mas de caso pensado mesmo foi a proposta para entrar no bloco de controle da ALL. "Eu sempre gostei da ALL. Acho que vai ser um bom negócio para o país", diz. O empresário está preparando a Cosan para ser uma gigante de infraestrutura e energia. Por trás desse negócio, Rubens vê grandes oportunidades de investimentos na área de logística em todo o país. Ele já é dono da Rumo Logística.

O passo ambicioso do empresário no mundo dos negócios reflete sua própria trajetória de vida. De tradicional família de imigrantes italianos que chegou ao Brasil no fim século 19 e fez fortuna plantando cana-de-açúcar em Piracicaba (SP), Ometto, que, aliás, não gosta de ser chamado de Rubens Ometto - ele prefere ser citado pelo nome completo, Rubens Ometto Silveira Mello - teve uma carreira profissional meteórica e bem-sucedida fora do setor da cana. Formado engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo, aos 24 anos era diretor-financeiro do grupo Votorantim. Se quisesse, teria seguido carreira na TAM, como alto executivo. Sua família era principal sócia da companhia aérea e ele foi nomeado o primeiro presidente do conselho do grupo. "O nosso sócio Rolim Amaro era quem entendia do negócio."

Largou a promissora carreira no mundo corporativo para gerir os negócios da família no início dos anos 80. Mas, antes de transformar a Cosan na potência de hoje, teve desentendimentos familiares. "O negócio só começou a crescer quando resolvi os problemas societários [e familiares]." Por parte de mãe, o ramo Ometto controlava as usinas Costa Pinto, Santa Barbara, Da Barra e a fazenda Bodoquena.  Para evitar atritos, que já ocorriam, Rubens firmou um acordo com seu tio, Orlando Ometto, no qual ele e seus três irmãos ficaram com a Costa Pinto e a Santa Bárbara. Orlando e seus herdeiros ficaram com a usina Da Barra e a fazenda.

Quase na mesma época, tornou-se sócio das usinas Bom Jesus e Santa Helena, além de participação minoritária na São Francisco e negócios adquiridos com a herança deixada por seu pai. Como as brigas familiares foram inevitáveis, foi as poucos comprando a participação de seus irmãos, tios e primos. "O negócio só decolou quando acabaram as disputas."

Com Rubens à frente, a Cosan tornou-se uma das maiores consolidadoras de usinas do país e partiu para diversificação dos seus negócios, a partir dos anos 2000, quando boa parte dos tradicionais empresários do setor começou a quebrar. "Não somos mais um grupo setorizado. Mudamos de propósito. Foi planejado. "Eu tenho uma equipe muito boa."

O passo mais recente da diversificação foi dado em fevereiro, quando fez polpuda proposta de R$ 896 milhões para entrar no bloco de controle da ALL, concessionária de ferrovias e de operações logísticas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. O negócio envolve a ações de dois grandes acionistas Wilson Ferro de Lara e Riccardo Arduini. A transação aguarda ainda a aprovação dos demais sócios do bloco de controle da ALL. Nem a situação financeira da ferrovia, alavancada, o intimida. "O importante é ver como a empresa vai ficar. Temos planos arrojados para ela." A ALL é considerada a "espinha dorsal do agronegócio".

Para comportar o novo tamanho do grupo, a Cosan se mudou para um imponente prédio em uma das regiões mais caras de São Paulo, a esquina das avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek, a poucos metros de sua antiga sede. Se depender do apetite do empresário, a Cosan logo passará a ocupar um edifício inteiro. "Também quero me fortalecer em energia. Estamos montando planos estratégicos muito interessantes nessa área."

Com estilo agressivo de fazer negócios, ele é um empresário de posições firmes. "Essa postura não pode ser confundida com arrogância. Binho sempre foi muito transparente, mas o lado político dele não é o mais forte", diz um antigo concorrente. Em Brasília, seu trânsito com o governo é bom. O Valor apurou que a proposta do grupo pela fatia da ALL foi muito bem recebida. O empresário tenta minimizar o mimo. "Antigamente, o respeito que eles [governo] tinham por mim era diferente. Era menor, porque éramos menores."

"Eu vim do setor sucroalcooleiro, 'Casa Grande e Senzala', mas querendo mudar para melhor. Nós [Cosan] somos um pouco revolucionários, rebeldes, no bom sentido", afirma. "É muito difícil dizer onde a Cosan quer chegar... Você vai passo a passo. A Cosan é uma usina de ideias, de trabalho. As coisas vão aparecendo. Quando compramos a Esso, não queríamos  a divisão de lubrificantes. Mas a ExxonMobil exigiu que fosse todo o pacote. A área de lubrificantes vai muito bem. Se eu fosse vendê-la hoje, pagaria a Esso inteira [a Esso foi adquirida por quase US$ 1 bilhão, incluindo dívidas]. Somos vice-líderes no país", diz.

Desde que decidiu ir para a bolsa, em 2005, a Cosan e, sobretudo Rubens Ometto, tornaram-se vidraça. Ele se ressente. "O mercado sempre me criticou, mas depois me dá razão. Eles [mercado] têm que nos dar credibilidade, para mim e para Cosan, porque estamos no caminho certo. Sobre o negócio de 10 para 1, o Google é 10 para 1, o Facebook vai ser 10 para 1. Eles querem que eu faça um negócio e perca o comando?", argumenta.

Dois anos após abrir o capital, em 2007, a Cosan fez uma reestruturação societária: criou a holding Cosan Limited, com sede nas Bermudas e ações listadas em  Nova York. Nessa operação, ele permaneceu como controlador, pois as leis locais permitiram que as ações de controle tivessem poder de voto diferenciado - nas Bermudas, cada ação sua valeria por dez das comuns. O mercado  não gostou, embora não tenha nada de ilegal na operação, diz uma fonte de um banco.

"Entendemos que todas as aquisições feitas pela Cosan têm um objetivo estratégico", afirma a mesma fonte. A compra da Esso é o melhor exemplo de todos. "Em um primeiro momento, as pessoas tentaram entender o que era a operação. Depois, viram que faziam todo o sentido para a Cosan. O mesmo aconteceu com Shell e agora com a ALL", diz. "O mercado gosta de empresa de dono. O empresário criou um colosso do açúcar e álcool e partiu para distribuição de combustíveis", diz outra fonte.

Com a expansão de seus negócios, Ometto se tornou referência, não só para os usineiros. A empresa saltou de R$ 700 milhões no faturamento, no início dos anos 2000, para quase R$ 60 bilhões - listada entre os quatro maiores grupos privados do país. Incluído na lista de bilionário da Forbes, ele tem uma fortuna de US$ 2,7 bilhões.

A diversificação trouxe novos horizontes. "É muito bom ter como concorrentes empresas como o Ultra e Petrobras porque toda hora você está comparando sua eficiência com a deles", diz. Garante que não é competitivo e delega muito. Desde 2009, está como  presidente do conselho da Cosan e se sente mais confortável nessa posição, pensando na estratégia da companhia.
Noveleiro convicto, Rubens é casado, pai de duas filhas e um neto, Pedro Rubens. "Se pudesse escolher, ele se chamaria Rubens Rubens [dobrado mesmo]", brinca Ometto. Ele assegura que está numa fase de calmaria, apesar de gostar da "adrenalina da competição", como costuma dizer.

Os amigos dizem que ele vive uma fase mais doce. "Nunca fui competitivo no sentido de ser o melhor. Queria ser bom para mim mesmo. Lembro quando vim para São Paulo. Eu era um 'jacuzinho' de Piracicaba. Fiz o melhor cursinho, a melhor faculdade. Meus primos tiravam sarro de mim porque eu levava a vida a sério. Mas nunca fui um 'nerd': corria de kart, bebia com amigos, mas sem perder a consciência. Sempre sei quando parar. Eu sempre estou sob controle."