TAV corre risco de virar trem-fantasma

09/04/2011 - Veja

Aquela que seria uma vitrine do governo petista ameaça se transformar em um grande vexame. Na última semana, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) adiou por três meses a entrega de propostas para a construção e operação do trem-bala que deve ligar Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo. Foi a segunda vez que isso ocorreu. Pode não ser a última.

“Os consórcios nos confessaram que esperaram o quadro político se definir para prepararem suas propostas. Agora, não há mais dúvidas. O novo pedido é para ajustes nas propostas, uma vez que a documentação a ser apresentada exige alta complexidade”, justificou o diretor da ANTT, Bernardo Figueiredo. Apesar do novo adiamento, ele disse que a ANTT não irá alterar o edital da obra. Mas talvez seja o caso de cogitar essa hipótese.

Dentre os grupos interessados em construir e operar o Trem de Alta Velocidade (TAV), como o veículo é chamado, há desconfiança quanto ao projeto apresentado pelo governo. E são duas as razões principais: aparentemente, os custos previstos estão subestimados, enquanto a demanda pelo meio de transporte está inflada.

Os gastos previstos na obra são de 33 bilhões de reais – dos quais 20 bilhões virão de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). E, pelo projeto do governo, o veículo levaria 18 milhões de passageiros anualmente. A vencedora da concorrência arcará com os custos e poderá operar o serviço por 40 anos. A receita bruta prevista para o período é de 192 bilhões de reais.

O trem terá uma velocidade máxima de 300 quilômetros por hora, até 200 metros de comprimento e poderá levar até 600 passageiros. Serão 510 quilômetros de trajeto. E ao menos oito paradas: Campinas, aeroporto de Viracopos, Campo de Marte, aeroporto de Guarulhos, São José dos Campos (SP), Volta Redonda (RJ), Rio de Janeiro e Galeão. Jundiaí (SP), Aparecida (SP) e Rezende (SP) também podem ganhar estações. O preço da passagem entre São Paulo e Rio de Janeiro deve ficar em torno dos 200 reais. A viagem terá a duração de uma hora e meia.

Razões do atraso - Poucos têm dúvidas de que a construção do trem-bala trará benefícios à região, que representa 20% da população e 33% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiros: a integração econômica nas cidades do principal eixo econômico do país, a redução no tempo de deslocamento, a diminuição no tráfego de veículos, com a conseqüente queda no número de mortes nas estradas e da emissão de poluentes dos derivados do petróleo.

Mas, até agora, a ideia do veículo de alta velocidade tem esbarrado na falta de planejamento do governo. Em julho do ano passado, durante a pré-campanha eleitoral, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o projeto do trem-bala e saudou a então candidata Dilma Rousseff como a principal responsável pelo "sucesso" do empreendimento.

Nove meses depois, houve poucos avanços.  Na mais otimista das previsões, as obras só terão início no segundo semestre de 2012. Com isso, a ideia de que o TAV entre em operação a tempo das Olimpíadas de 2016 fica cada vez mais improvável. E já não há quem acredite na conclusão, mesmo que parcial, da obra antes da Copa do Mundo de 2014. O prazo máximo previsto para que a obra esteja completa é de seis anos. Mas estudiosos da área estimam que oito anos é uma aposta mais adequada.

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a viabilidade do projeto reforça a tese de que a estimativa de custos é irreal. Apesar de ter aprovado o edital para a obra, a corte notou problemas nas planilhas de custo: "Ficou evidenciado que a falta de conhecimento a respeito das características geotécnicas dos terrenos atravessados pelo traçado referencial, dos custos de equipamentos e dos processos de execução típicos dos tipos de obra necessários, proporcionou grave incerteza nos custos finais", diz um trecho do relatório assinado pelo ministro Augusto Nardes.

O terreno acidentado na região por onde passará o trem-bala vai exigir a construção de 90 quilômetros de ponte e 100 quilômetros de túneis, intervenções de custo elevado e execução complexa.

Há ainda um outro problema: as principais companhias interessadas na operação da obra não se animam com a perspectiva de arcar com a parte de engenharia civil da construção. "Os fabricantes não são investidores, são competidores. O negócio deles é fornecer equipamento", analisa o professor Telmo Porto, especialista em transporte ferroviário da Universidade de São Paulo. Segundo a ANTT, há representantes de empresas da França, da Espanha, da Coréia do Sul, da Alemanha, do Japão, da China e da Itália de olho no empreendimento.

Congresso – A Medida Provisória que cria a estatal responsável por supervisionar o projeto do trem-bala e autoriza o BNDES a financiar parte da obra foi aprovada pela Câmara dos Deputados na última semana, depois de uma longa batalha entre governo e oposição.

O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), se queixa da pirotecnia com a qual o governo tratou o tema: “É muita espuma, muita propaganda, ao estilo do PT”. Oposicionistas alegam que os recursos públicos empregados no trem-bala seriam suficientes para a construção de 100 quilômetros de metrô, ao custo médio da capital paulista. O senador José Pimentel (PT-CE) minimiza o atraso e atribui a demora à tramitação da Medida Provisória no Congresso: “A única morosidade nesta questão foi a da votação da Medida Provisória pelo Congresso”.

Se o preço final da obra ficar acima dos 33 bilhões de reais previstos, o que é provável, os gastos adicionais serão de responsabilidade do consórcio vencedor, sem ônus para os cofres públicos. Mas é justamente este fator que deixa os interessados com um pé atrás e ameaça a concretização do empreendimento: “Eu acho que a chance (de que a obra se torne inviável) é real porque a obra pode custar mais caro. Existe um risco de demanda”, diz o professor Telmo Porto.

Se a ameaça se concretizar, o trem-bala deve passar a ser lembrado pelo epíteto que já circula pela Praça dos Três Poderes: trem-fantasma.