Instalação de fábrica no país é vista com reservas

17/01/2011 - Valor Econômico - SP - De Brasília 

Mesmo com todos os indicadores favoráveis e uma projeção de crescimento sem precedentes na próxima década, não é consenso a ideia de que o Brasil tem condições plenas para ter uma fábrica de trilhos. "Esse problema não é novo, mas a situação atual também não é desesperadora", diz Rodrigo Vilaça, da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). 

Com a retirada dos impostos sobre a importação dos trilhos nos últimos dois anos, diz Vilaça, o mercado reagiu bem e tem mantido uma relação equilibrada. "É preciso lembrar que, ao contrário do que possa parecer, montar uma fábrica de trilhos não é algo simples. Para isso se Exige alta tecnologia, investimento pesado e, acima de tudo, garantia de que haverá demanda", afirma ele. 

Até 1996, informa Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tinha um laminador para produção de trilhos em atividade, mas a operação foi desativada por falta de pedidos do mercado. A retomada dessas operações não é uma decisão fácil. 

Segundo José Francisco das Neves, presidente da Valec, a montagem de uma fábrica de trilhos exige investimentos da ordem de US$ 1,5 bilhão. A produção das barras de aço carbono - modelo que será comprado pela estatal - exige tratamento refinado para evitar riscos de fragilidade do material. No processo de fabricação, o trilho chega a passar, por exemplo, por um tratamento a vácuo, para eliminar a presença de hidrogênio dissolvido no aço líquido. 

O Valor apurou que o grupo Gerdau estuda a montagem de uma fábrica de trilhos no país. Procurada pela reportagem, a Gerdau Açominas confirmou, por meio de uma nota, que possui um "laminador de perfis" - equipamento de grande porte usado na fabricação - e que "atualmente está avaliando a possibilidade de produzir trilhos, considerando a nova realidade do setor ferroviário no Brasil". A companhia ponderou, no entanto, que "até o momento não há nenhuma definição."

Por meio da Valec, o governo também tem mantido conversas com multinacionais chinesas para estimular a entrada de fabricantes no Brasil, mas até agora as negociações não avançaram muito. 

O que aumenta o risco para os investidores, segundo Vicente Abate, da Abifer, é a desconfiança de que a demanda não se confirme. A Valec, que tem puxado a expansão da malha do país, precisa de material agora e já está fazendo aquisição de volumes. "Quem garante que, quando uma fábrica estiver pronta, depois de dois anos, terá mercado suficiente pela frente para pagar seus investimentos e dar lucro?", pergunta Abate.

Estima-se que um mercado passa a ser interessante para os fabricantes locais quando atinge a marca de 500 mil toneladas de trilhos por ano. O Brasil chegou a 496 mil toneladas em 2010 e neste ano a projeção é de crescimento. Ainda assim, Rodrigo Vilaça, da ANTF, prefere olhar com cautela para o cenário. "Veja que a GE faz locomotiva no Brasil há dois anos. Isso já deu certo. A produção de trilhos, no entanto, é estudada há anos, mas as empresas ainda não conseguiram fechar a conta", comenta. 

"Não acredito que isso ocorra no Brasil nos próximos cinco anos, talvez essa não seja a vocação do país", diz ele. (AB)