Ferrovias: R$ 75 bilhões em investimentos a partir de 2011

17/01/2011 - Santos Modal - Érica Amores / Foto: Ivan Ferreira 

Em um País como o Brasil, que ainda apresenta uma matriz de transportes desequilibrada e com uma malha ferroviária que não chega nem perto do patamar de outros países de extensão territorial similar ao Brasil, fazer um balanço e prever expectativas para tal setor poderia ser tarefa pouco fácil, mas 2011 aponta um cenário diferente. Ainda que estrangulado pelos gargalos logísticos que atravancam o transporte de cargas e pelos graves problemas de mobilidade nas grandes cidades, o Brasil parece finalmente despertar para a necessidade de acelerar a expansão de sua malha ferroviária. As perspectivas de crescimento do setor, principalmente para no que diz respeito ao transporte ferroviário de cargas e à indústria são as melhores possíveis.

Para o diretor do Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários, Massimo – Simefre, Massimo Giavina Bianchi, “o novo marco regulatório do setor ferroviário permitirá dar maior flexibilidade às ferrovias (com o direito de passagem) não só ao concessionário, como também aos futuros operadores que poderão utilizar a malha ferroviária e aos usuários com frota própria para transportar os seus produtos. O resultado de tudo isso será, sem dúvida, a redução das tarifas que hoje estão desproporcionais se comparadas com o frete rodoviário”, afirma.

Ainda segundo Bianchi, “com o concessionamento das malhas ferroviárias, o setor iniciou um ciclo virtuoso que lentamente foi traduzindo-se em confiabilidade e regularidade para os usuários ferroviários gerando o ressurgimento da indústria que ora, com o novo marco ferroviário haverá um incremento de fornecimento de equipamentos ferroviários”.

Para o diretor-Executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários - ANTF, Rodrigo Vilaça, que recentemente participou da feira e seminário Negócios nos Trilhos, em São Paulo (SP), “é necessário expandir a malha ferroviária brasileira de forma integrada com os diversos modos de transporte, considerando todas as regiões do País”.

Vilaça sabe bem que, em países de grandes dimensões como o Canadá, EUA e Austrália mais de 43% das cargas são transportadas em ferrovia. Na Rússia essa participação chega a 81%. Na China, por enquanto, 37%. No Brasil ainda não passa de 25%, mas já evoluiu bastante, pois há poucos anos estava em 17%.

“Nosso ritmo atual de crescimento econômico exige que o país tenha 52 mil quilômetros de trilhos, bem mais do que os atuais 28 mil quilômetros operados pelas concessionárias de transporte ferroviário”, reforça o executivo da ANTF.

Marco - O governo trabalha na criação de um novo marco regulatório para o setor ferroviário - que já deveria estar pronto, mas para poder envolver e ouvir todos os atores, as mudanças ainda não foram anunciadas e podem ficar para depois da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff.

A proposta assinala uma separação de papéis, criando duas figuras distintas: a do gestor da malha ferroviária de um lado e dos operadores ferroviários de outro. O gestor será o responsável pela construção e administração das novas ferrovias. Para os operadores cabe a compra de capacidade de transporte para trafegar livremente suas cargas, o que amplia o espaço de atuação das atuais concessionárias de ferrovias e permite a entrada de novos atores no mercado – ponto que divide opiniões, pois nem todo mundo quer “comprar capacidade”.

O vice-presidente de Transporte Ferroviário da Câmara Brasileira de Contêineres, Transporte Ferroviário e Multimodal – CBC, Washington Soares, concorda que o projeto em andamento no Ministério da Casa Civil, se aprovado, poderá produzir melhor competitividade no setor de transporte ferroviário. “A mudança no direito de passagem de trens, em ferrovias por jurisdição do poder público, pode fomentar a concorrência em rotas onde não existe interesse de investimentos por parte dos shareholders (acionistas) das atuais concessões ferroviárias”, lembra.

Soares exemplifica dizendo que: “O operador ferroviário poderá operacionalizar com novos operadores ferroviários um trajeto da via permanente em trechos de concessão. Isto induzirá outros nichos de cargas, mesmo que aquela objeto de análise de novos projetos de transporte não seja de interesse do concessionário ferroviário ou em casos que este não deseje compartilhar os recursos de via permanente ou material rodante”. Para ele, no modelo de privatização ferroviária atual, há um monopólio operacional inato, ou seja, com a própria demanda cativa da ferrovia.

Impulso – Para o Simefre, após décadas de abandono e falta de perspectivas, o setor ferroviárionacional experimenta dias de euforia com as perspectivas de investimentos que ultrapassam a cifra de R$ 75 bilhões nos próximos anos.

Os reflexos dos novos tempos já são sentidos pelos fabricantes de equipamentos ferroviários no resultado de 2010. A indústria fabricante de vagões, por exemplo, mais que triplicará o volume de 2009.

“Começamos o ano com uma previsão de fabricar 2.500 vagões, mas – neste momento – projetamos encerrar o exercício com 3,3 mil vagões fabricados e entregues ao mercado. O volume é bastante significativo considerando que, em 2009, comercializamos apenas 1.022 vagões, devido à crise internacional”, comenta o vice-presidente do Simefre, Luiz Fernando Ferrari.

Segundo ele, alguns fatores impactaram positivamente o setor ferroviário de carga em 2010. Entre eles, o Programa de Sustentação do Investimento - PSI do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, lançado em meados de 2009 por conta da crise internacional, e prorrogado até 31 de março de 2011, que alavancou as vendas de vagões e locomotivas. “Registramos também uma reação dos mercados externos de minérios, grãos e açúcar, principalmente”, complementa.

Exportação – Devido à crise internacional, as exportações devem ser de apenas 16 vagões, ante as 32 unidades exportadas em 2009. O Dólar baixo frente ao Real tem prejudicado a competitividade da indústria ferroviária brasileira, que também sofre, como outros setores, os efeitos negativos decorrentes da elevada carga tributária. Por outro lado, os empresários da área ficam vulneráveis frente à importação, principalmente de veículos para transporte de passageiros. “Como exemplo, citamos os trens chineses adquiridos pelo Metrô do Rio de Janeiro e pela SuperVia”, frisa Ferrari.

Setor de Passageiros – A indústria de carros de passageiros está fechando o ano dentro das estimativas previstas no final de 2009. Existe, obviamente, uma variação natural com projetos entrando e saindo de produção, mas o segmento está operando em sua normalidade.

Em 2010, o setor deverá fabricar 421 carros de passageiros, dos quais 41 deverão ser exportados. O desempenho ficará um pouco abaixo do resultado do ano passado, quando foram produzidos 434 carros de passageiros, dos quais foram exportadas 374 unidades. Hoje a indústria atingiu melhor equilíbrio entre pedidos internos e de exportação, destacando-se no momento o mercado nacional, que nos últimos anos teve grande investimento em transporte de passageiros sobre trilhos.

Os empresários do setor estão confiantes em relação aos próximos anos, tomando como base a declaração do ministro das Cidades, Marcio Fortes, durante o Encontrem 2010. Na ocasião, o ministro disse que o PAC 2 vai liberar recursos da ordem de R$ 18 bilhões e que 50% deverão ser utilizados para atender o sistema metroviário. “Recebemos a declaração como uma valorização do sistema metroferroviário por parte do Governo Federal”, pontua Ferrari.

No entender do vice-presidente do SIMEFRE, com um novo ciclo político se iniciando, a indústria fabricante de carros de passageiros deve aguardar o planejamento do novo Governo, mas as expectativas são de mais investimentos. Primeiramente, pela demanda crescente nas grandes capitais, o que torna o investimento prioritário, e também por conta do fato que o Brasil sediará a Copa de 2014 e o Rio de Janeiro, os Jogos Olímpicos de 2016.

Locomotivas – Com capacidade instalada para fabricar mais de 100 locomotivas por ano, os fabricantes de locomotivas devem terminar 2010 com 65 unidades comercializadas, sendo 25 para exportação, ante as 22 do ano passado.

Atualmente, o setor está investindo para dobrar essa capacidade, para atender à demanda que deve continuar muito aquecida nos próximos anos. Entre os tipos oferecidos hoje pelas três empresas que atuam no mercado – GE, EIF e AmstedMaxion – estão máquinas diesel-hidráulicas e diesel-elétricas, estas últimas com 4.400 HP, de corrente alternada, que permitem uma redução de 30% no consumo de diesel.

A possível entrada da Caterpillar, através da Progress Rail/MGE, na área de fabricação de locomotivas, é extremamente benéfica, de acordo com o vice-presidente do SIMEFRE. “Existe espaço para todos. Com a globalização dos mercados, esta seria uma oportunidade para aumentarmos as exportações. O resultado é também positivo na maior geração de empregos e renda no País. Chegará um momento em que não será mais necessário importar locomotivas, em função do crescente índice de nacionalização”, complementa.

Carteira de pedidos – A indústria ferroviária brasileira investiu mais de R$ 1 bilhão nos últimos anos e está pronta para atender à demanda cada vez maior. No momento possui uma carteira de encomendas de 1.200 carros de passageiros, 150 locomotivas e 9.000 vagões para os próximos dois anos, além de serviços de reparação e modernização de vagões, locomotivas e carros de passageiros.

Perspectivas – Os empresários do setor projetam colocar no mercado no próximo ano cerca de 100 locomotivas, 450 carros de passageiros e 5.000 vagões. Acreditam que o crescimento deverá continuar graças ao aquecimento, ainda, dos setores de mineração, grãos, açúcar e carga geral conteinerizada. A expansão da malha ferroviária, com a incorporação de novos trechos da Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, também deverá contribuir para esse crescimento. Na área de passageiros, a necessidade de mobilidade e acessibilidade urbanas garantirá a continuidade dos investimentos governamentais. A indústria de materiais para via permanente tem fornecido para todos os projetos de expansão das malhas em andamento, destacando-se dormentes de concreto, grampos de fixação elástica, aparelhos de mudança de via e materiais para soldagem de trilhos.

A indústria ferroviária tem uma expectativa de obter uma receita da ordem de R$ 3 bilhões em 2010, ante R$ 2,1 bilhões faturados em 2009.

Leia essa e outras matérias na edição nº 44 (Dez/Jan) da Revista Santos Modal